Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornal quer sangue

O jornal O Globo quer sangue. Em manchete no domingo (20/6), afirma: ‘Alemão: tráfico faz feira de drogas a céu aberto’. A ‘reportagem’, toda ela baseada em informações da polícia, é um louvor à violência.


O jornal abre a página 17 com uma foto, feita de longe, de várias casinhas, como numa visão geral do Complexo do Alemão, e a inscrição: ‘Cidadela do tráfico’. Imagem e texto conduzem à interpretação de que todos os que moram ali são potencialmente bandidos, o que justificaria mais uma ação violenta da polícia. 


Essa informação, no entanto, bate de frente com os fatos, pois os números da própria Secretaria de Segurança Pública (SSP-RJ) mostram que os moradores do Alemão envolvidos com o tráfico não chegam a 1% da população (em 2007, o próprio Globo deu que, segundo a SSP-RJ, eram 450 traficantes para uma população de aproximadamente 100 mil pessoas).


No subtítulo, O Globo afirma que vários traficantes expulsos de favelas ocupadas por UPPs migraram para o Alemão, onde teriam montado um ‘shopping’ de drogas, com vendas ‘a céu aberto’. Grande novidade…


Qualquer um que já tenha ido a esta parte da favela sabe que há comércio varejista de drogas ali. Novidade mesmo seria se o jornal fizesse uma reportagem sobre a venda no atacado, mostrando como armas e drogas chegam nesses espaços populares.


Barra pesada


Quem fica com a grana pesada? São os bandidos de bermuda e chinelo? Para o Globo, sim. Na ‘matéria’ de domingo afirma-se que traficantes que vivem ali construíram casas ‘com confortos comuns a qualquer moradia de classe média – algumas até com piscina e hidromassagem’, trecho malandro que leva leitores a acreditarem que esses são os verdadeiros donos do negócio.


De mais a mais, a ‘reportagem’ é uma súplica para que mais violência seja cometida nessa parte da cidade, densamente povoada, diga-se. Em 2007, quando da megaoperação que deixou 19 mortos num só dia, o mesmo Globo publicou diversos textos legitimando a ação da polícia, para quem todas as mortes haviam ocorrido em confronto – versão que posteriormente foi desmentida por peritos enviados pelo governo federal. O episódio passou a ser conhecido como ‘Chacina do Pan’, em razão dos Jogos Pan-Americanos que foram realizados no Rio de Janeiro naquele ano.


No final do texto, O Globo consegue as aspas que consagram seu objetivo. É o próprio secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, quem afirma, deixando claro a ação iminente: ‘Vai ter trauma, vai ter baixa, mas será uma ação definitiva’.

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Jornalista