Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Com Deus, pela causa

A Folha de S.Paulo, desta vez, assumiu seu compromisso com o jornalismo: na edição de segunda-feira (21/6), a foto destacada no alto da capa é irrespondível: Luiz Fabiano recebe a bola com o antebraço superior. O título é taxativo: ‘O braço de Deus’.


Seu concorrente direto, o Estadão, na santa paz só enxergou o pecado na legenda da foto da capa ao reproduzir o Evangelho de S. Diego Maradona: ‘Foi uma mão santa involuntária’, declarou o atacante no confessionário.


Quando se começa a ler a manchete de Globo imagina-se algo genial: ‘Arte com os pés; truculência com a boca’. A formulação correta, justa seria esta: ‘Arte com os pés; truculência com a boca; gols com o braço’. É pedir muito?


Redimiu-se na capa-pôster do caderno de esportes com dois flagrantes precisos, inequívocos da ajuda do Todo Poderoso: ‘Os nossos braços de Deus’.


Religião, moral, política


Do time de colunistas da Folha, José Geraldo Couto foi o mais contundente: classificou a jogada dentro de um esporte diferente: o handebal. E ainda explorou o comentário de Luiz Felipe Scolari (novo coleguinha no mundo do opinionismo desportivo): ‘Tocar a mão na bola uma vez é falta. Duas vezes, é uma nova regra’.


No Globo, Francisco Calazans indaga: ‘Será que o juizinho francês, tão fraquinho, ia anular aquele gol? Será que ajeitar a bola com o braço vai continuar valendo na Copa ? É o que veremos mais adiante.’ Renato Maurício Prado não vacilou e proferiu sentença: a desastrosa arbitragem do péssimo árbitro francês validou um gol ilegal de Luis Fabiano. Na reportagem de Maurício Fonseca (pág. 3), o segundo tento de Fabiano é classificado como ‘golaço irregular’. No relato de Guto Seabra (pág. 5), Luís Fabiano admite que a entrada do braço foi ‘involuntária’ e completa: ‘É melhor falar do gol do que do toque. Foi um dos gols mais bonitos que fiz pela seleção’.


Na transmissão ao vivo da Rede Globo, tanto o narrador Galvão Bueno como os comentaristas Roberto Falcão, Walter Casagrande e Arnaldo Cesar Coelho mencionaram a excepcionalidade da jogada, não a condenaram.


Copa: the south american way. Mesmo anulado o gol, a seleção brasileira ganharia o jogo. O problema não é futebolístico, não é religioso, talvez nem seja moral. É político: pela ‘causa’, vale tudo.


Ficha Limpa em eleições e gol duvidoso no gramado é um binômio difícil de defender.