O Grupo Globo abriu guerra total ao técnico da seleção brasileira, Carlos Caetano Verri, o Dunga. O site globo.com criou o troféu ‘Limão’ para premiar o técnico mais ranzinza da Copa do Mundo. ‘Quem merece o título de Mister Antipatia na Copa 2010? Dunga, o zangado do Brasil; Domenech, o mal-educado francês; ou o eslovaco Weiss?’, é a pergunta que se destaca no site.
Ao convocar os leitores para opinar em tema tão previsível, o jornal está preparando material pesado, para o caso de a seleção fracassar na África do Sul.
Dunga não é exatamente flor que se cheire, em termos pessoais. Não tem a simpatia de Zagalo, a gentileza de Carlos Alberto Parreira, a clareza estratégica e a elegância de Vanderlei Luxemburgo. Parece desajeitado sob as roupas de grife com que sua filha o veste, costuma dar caneladas no vernáculo durante as entrevistas e tem mania de perseguição. Mas tem apresentado resultados, que é a única coisa que deseja o torcedor.
Por outro lado, o grupo Globo vê cerceadas suas exclusividades e privilégios. A apresentadora Fátima Bernardes já não tem, nesta Copa, a liberdade para interferir na rotina dos jogadores, como ocorreu em 2006, e comediantes disfarçados de jornalistas têm que ficar longe dos craques.
Assédio limitado
A guerra declarada entre o mais poderoso grupo de comunicação do país e o técnico da seleção – que em período de campeonato mundial se transforma no segundo mais importante servidor público, logo depois do presidente da República – tem mais de negócio do que de jornalismo. Como diz o veterano jornalista Zuenir Ventura no Globo de quarta-feira (23/6), parodiando Chico Buarque de Holanda, ‘Dunga é um pote até aqui de mágoa’.
Mas também não se pode esquecer que a Globo tem feito da seleção brasileira um pote até aqui de ouro, ao negociar contratos de exclusividade e privilégios que acabam por atrapalhar o trabalho do técnico e dos jogadores.
Essa briga já tem um perdedor: mesmo que vença a Copa, Dunga dificilmente continuará no cargo. Ao limitar o assédio da imprensa, ele teve a ousadia de reduzir a exposição das marcas dos patrocinadores.
Relação promíscua
A crise entre o técnico Dunga e parte da imprensa se espalha pelos jornais e respinga no jogador Kaká. Criticado por ter provocado sua própria expulsão no jogo contra a Costa do Marfim, o meia acusou o jornalista Juca Kfouri de persegui-lo por causa de sua opção religiosa.
A argumentação do jogador é apenas meia verdade. O que alguns jornalistas andaram especulando é a possibilidade de parte do dinheiro pago a Kaká pelo Real Madrid, doada para a igreja Renascer em Cristo, tenha voltado para a conta do jogador, através do pagamento de sua mulher, que se tornou pastora da seita numa igreja criada na capital espanhola.
O Estado de S.Paulo especula, na edição de quarta-feira (23), se o descontrole de Dunga poderia afetar o equilíbrio dos jogadores. A Folha de S.Paulo abre seu caderno de esportes com as fotos de um sorridente Diego Maradona e um Dunga de costas para o leitor, imagens que dispensam interpretações.
Comentaristas já haviam observado a generosidade do técnico da Argentina, que convocou e colocou em campo o veterano centroavante Palermo, do Boca Juniors, dando-lhe a chance de fazer seu primeiro gol em Copa do Mundo.
As comparações entre os dois são inevitáveis.
Lições de Lampedusa
A guerra entre o técnico da seleção e o grupo Globo traz pelo menos uma vantagem para o brasileiro, que em tempos de Copa troca a condição de cidadão pela de torcedor: coloca em evidência a promiscuidade entre jornalismo e negócios e expõe o monopólio concedido pela Confederação Brasileira de Futebol à Rede Globo.
Essa troca de favores não afeta apenas a qualidade do jornalismo oferecido aos brasileiros. Ao diminuir as alternativas de cobertura dos acontecimentos que interessam a praticamente toda a população, esse pacto comercial reduz a diversidade de opiniões ofertadas aos torcedores e submete o noticiário aos interesses comerciais dos patrocinadores.
Se Dunga ri ou fica enfezado, problema dele. Passada a Copa, certamente já vão começar as especulações e pressões sobre seu provável substituto.
Aquilo que deveria mudar é que não muda nunca.
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