A ira da sociedade que sustou o escândalo anunciado do aumento de 67% dos salários dos congressistas – e, por extensão, dos deputados estaduais e vereadores – deve muito à forma como a imprensa cobriu a tentativa de tunga: com o devido destaque e números, muitos números.
Juntas, as duas coisas serviram para alertar o público do golpe em curso e para lhe dar a noção exata do tamanho acumulado do que a Folha retrancou ferinamente "salário máximo", numa alusão ao desejo dos parlamentares de terem os salários equiparados aos maiores que se pagam na República – aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal.
A malandragem era transparente: a Constituição não afirma que os políticos não podem ganhar menos do que eles, nem diz que devam ganhar o mesmo que eles.
Falando por si, como se diz, a numeralha mexeu com os pagantes. Blogueiros soltaram os cachorros e a internet se tornou a avenida de uma manifestação nacional de protestos que desembocou nas caixas de correio, telefones e endereços de e-mail de suas excelências, com as conseqüências que se viram.
Tal e qual
Mas nem tudo é perfeito. Na edição de 28/2 do seu informativo eletrônico, o deputado federal Alberto Goldman, líder da bancada tucana, fez uma revelação da maior gravidade envolvendo a mídia. Disse que "a imprensa está mostrando o quanto é dependente do Poder Judiciário".
Decerto por experiência própria, relatou:
"Não se consegue, sequer, transmitir opiniões contrárias ao aumento [dos ministros do Supremo, de R$ 19.115,00 para R$ 21.500,00]. A imprensa ignora. Até gravações para a TV são editadas, jogando fora trechos em que se critica o aumento".
Mas nem tudo é imperfeito. Na sexta-feira, a colunista Dora Kramer, do Estado, aplicou em ninguém menos do que o presidente do STF, Nelson Jobim, o que os italianos em outros tempos chamavam bastonatura in stile – uma cacetada de alto a baixo, com golpes precisos e fundamentados.
O justo motivo da indignação da colunista foram os noticiados "conchavos", como ela bem disse, em que o ex-senador e ex-ministro da Justiça mergulhou com os severinos da Câmara em busca da esperteza que permitiria a aprovação do(s) aumento(s) por ato administrativo da Mesa, dispensado o voto em plenário.
Dora foi de uma contundência como só muito raramente se vê nas colunas políticas brasileiras, para concluir que a atuação de Jobim "na defesa casuística de um aumento despropositado em nada ficou devendo à performance de seu antecessor, Maurício Correa, na liderança de uma campanha em prol da manutenção de privilégios que levou a imagem do Judiciário ao chão em 2003."
[Texto fechado às 18h25 de 07/03/05]