‘Aula de ética é em casa, não na escola’ é o título do mais recente artigo de Gustavo Ioschpe (revista Veja, edição nº 2171), economista que se autodefine como ‘especialista em educação’. O artigo defende a formação da consciência ética como tarefa da família, asseverando que nossas escolas e professores são incompetentes nesse aspecto, para o que basta constatar o fato de que a cola, o mais grave delito (segundo Ioschpe) praticado no ambiente escolar, jamais é devidamente punida.
A palavra ‘matéria’, entre vários significados, designa o ‘conteúdo de uma disciplina escolar’, inscrevendo-se no campo da didática, ou ‘qualquer texto jornalístico’. Se ética não é tema a ser abordado na escola, não deveria sê-lo na mídia. Especialmente quando lemos autores como Ioschpe, para quem a consciência ética das crianças deve ser formada…
‘… através de um sistema de recompensas e punições trabalhado primordialmente pelos pais de uma criança, desde seus mais tenros anos. É o receio da perda do amor paterno que nos leva a agir de forma ética, em um mecanismo inconsciente. Posteriormente, somam-se a essa base a história de uma pessoa e a fortaleza institucional do local em que ela vive.’
Assustador, o primarismo dessa concepção ‘educacional’. Ver alguém atribuir ao medo função educativa para a vida ética de uma criança faz tremer! O receio de perder o amor paterno nunca será estímulo para um comportamento moral digno desse nome. Esse tipo de educação é uma falta de ética por definição!
O autor afirmará depois que as eventuais (nada eventuais, para quem conhece a vida de tantos alunos!) deficiências da família e do Estado não poderão ser corrigidas pela escola. Para ele, ética na escola é ilusão.
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Em contrapartida, vale a pena ler a entrevista de Ken Robinson publicada pela revista IstoÉ da semana anterior (edição nº 2119). O professor inglês (assistam a uma palestra sua) não perde tempo falando de cola. Esse ‘delito’, na verdade, é efeito da educação punitiva e chantagista a que submetemos crianças e jovens.
Uma concepção de ética que ultrapasse o obedecer a regras está integrada a um modo de ver a formação humana e profissional como busca da criatividade. Desenvolver os talentos de cada aluno, sem a obsessão instrucionista, ainda presente em nossa cultura e em nossa pedagogia, contribuirá para que as pessoas se tornem comprometidas com o bem pessoal e social.
Não é com punições/premiações que se vencem problemas como impontualidade, cola e violência. Ioschpe deveria ler Ken Robinson e outros educadores sobre a autêntica arte de ensinar. Dizia Heidegger que ensinar consiste em deixar o outro aprender; deixar o outro tornar-se o que é.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br