O período de convenções partidárias acabou no dia 30 de junho. Agora o relógio começa a correr regressivamente até o dia 3 de outubro, quando todos iremos às urnas. Até lá, o grande desafio de todos os partidos e de todos os candidatos é obter a visibilidade necessária para que o eleitor possa conhecer as propostas, ideias e tomar sua decisão.
Na busca desta visibilidade, os meios de comunicação tradicionais, a chamada grande imprensa, têm papel fundamental. Ou melhor, deveriam ter. O que se percebe, tanto na imprensa nacional quanto nas estaduais, é que, numa ação minimalista, a imprensa, em especial a televisão, simplifica o processo e o reduz a três candidatos. Não são nem mesmo a três partidos ou coligações, pois as informações referentes aos programas de partido, aos candidatos a deputados – estaduais, distritais e federais – e a senadores proporcionais são menosprezadas.
As próprias pesquisas de preferência eleitoral de alguns institutos já não apresentam aos cidadãos a totalidade dos candidatos. Fazem uma coleta de opinião simplificada, mais reduzida, onde só são disponibilizadas as três opções de candidaturas pré-eleitas pela mídia. Esta sistemática provoca um circulo vicioso pelo qual a mídia só fala de três candidatos e os institutos só apuram a popularidade destes mesmos três candidatos, que assim crescem no espaço político e dão a ideia da inexistência de qualquer outro cenário.
A situação ainda é pior para os candidatos ao Congresso Nacional e às Assembleias estaduais. Praticamente, não há informação nos meios de comunicação sobre as propostas dos potenciais futuros parlamentares. Nem mesmo sobre os candidatos ao Senado, que não são muitos, já que a eleição majoritária permite a apresentação de apenas dois candidatos por coligação. Para estes, não existem debates nos meios de comunicação e são raras as entrevistas.
TV pública segue a cartilha global
Desinformado, o eleitor acaba enviando uma série de parlamentares para Brasília que não são exatamente aquilo que se esperava e alguns acabam se envolvendo em escândalos que tumultuam o processo legislativo. É neste momento que a imprensa se apresenta com a defensora da moralidade pública e, num passe de mágica, passa a criticar o parlamento, a cobrar eficiência e produtividade, a questionar mesmo a função legislativa. Mas se esquece que nos períodos eleitorais não levou suficiente informação ao eleitorado, não criou espaços onde o cidadão pudesse se confrontar com as opções eleitorais.
Na mídia brasileira, os candidatos ao parlamento, com raras exceções, têm um espaço semelhante ao previsto na Lei Falcão, que não permitia a apresentação de ideias. É pior mesmo do que o espaço que Enéas Carneiro e seu Prona tiveram no passado. A nossa mídia privada, de caráter comercial, na maioria das vezes transforma as eleições num espetáculo, sem muita profundidade nas informações. As eleições se transformam numa espécie de corrida de cavalo onde os meios de comunicação se limitam a informar o trajeto da carreira e a identificar quem está à frente dos demais.
As eleições de 2010, contudo, têm um tempero diferente. Pela primeira vez na história do país, haverá uma rede pública nacional de televisão cobrindo o pleito. Deste novo meio se espera uma postura diferente das comerciais. Uma postura que abra espaço para todos os candidatos se apresentarem ao eleitorado, independentemente da posição que ocupem na disputa eleitoral. Tudo indica, contudo, que este não será o comportamento. A cobertura jornalística da TV Brasil tem seguido a mesma cartilha global e até mesmo os programas de entrevista, raros na rede privada, não têm aberto suas portas a todos os candidatos. Um exemplo é o programa 3 a 1, que anuncia o convite apenas a Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva para entrevistas.
Na França, direito à visibilidade existe
Nomes como Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL, Américo de Souza (PSL), Ivan Pinheiro (PCB), José Maria Eymael (PSDC), Levy Fidélix (PRTB), Mário de Oliveira (PTdoB), Oscar Silva (PHS), Rui Pimenta (PCO), Zé Maria (PSTU) são totalmente desconhecidos do grande público simplesmente porque a imprensa os considera nanicos demais para terem direito a uma cobertura jornalística. E a recém-criada TV Brasil, que deveria ser a primeira a dar o exemplo, parece pensar do mesmo modo e acaba copiando uma prática tendenciosa e diversionista da grande imprensa de caráter comercial.
É de se perguntar o que seria hoje do PT de Lula, o PRN do Collor, do PSB de Ciro e de tantos outros partidos que há 20 30 anos eram nanicos, se no processo de redemocratização do Brasil, nos anos 80, os meios de comunicação de massa os tivessem excluído; se eles tivessem tido o mesmo tratamento que hoje recebem os candidatos dos pequenos partidos. Provavelmente, estas lideranças teriam hoje a mesma visibilidade que detêm atualmente Eymael ou Zé Maria. O princípio democrático de propiciar espaços jornalísticos igualitários é simplesmente deixado de lado.
Em países como a França, isso seria impossível de acontecer. Embora lá não seja muito comum a realização de debates tête-à-tête entre os candidatos, um modelo mais norte-americano, o espaço concedido pelos meios de comunicação, públicos e privados, é rigorosamente o mesmo a todos. Cabe ao Conselho Nacional do Audiovisual cronometrar o total de entrevistas e reportagens a que cada candidato foi contemplado. O meio de comunicação que não respeitar a equanimidade está sujeito a penas severas. Graças a esta igualdade de direito à visibilidade é que coligações como a direitista Frente Nacional, liderada por Jean-Marie Le Pen, ou a Europe Ecologie, o partido verde francês, e mesmo o Nouveau Parti Anti-capitaliste (NPA), uma espécie de PSOL francês, conseguiram se comunicar com o eleitorado e obtiveram nas urnas resultados que abalaram os tradicionais Partido Socialista e a conservadora UMP (União por um Movimento Popular), de Sarkozy.
A responsabilidade dos meios de comunicação
No Brasil, o padrão da cobertura jornalística parece tentar evitar exatamente que haja surpresas no processo eleitoral. E a situação ainda é mais grave quando analisamos as eleições estaduais. Num momento em que a sociedade leva à frente um projeto que visa a impedir que os ‘fichas sujas’ cheguem ao poder e que a política siga repleta de meias e cuecas recheadas de dólares, é de fundamental importância que a imprensa assuma mais plenamente sua função social de bem informar. Que gaste mais algumas folhas de jornal ou mais alguns segundos de rádio e de televisão para viabilizar o debate profundo e democrático sobre o processo eleitoral e seus atores.
Por sua vez, os veículos públicos estaduais deveriam dedicar especial atenção à vida política local, investigar melhor as fichas dos candidatos, abrir efetivamente o debate a todos os candidatos. Já que não podemos esperar muito da mídia comercial e privada, rádios e televisões educativas, culturais, legislativas, enfim todas aquelas mídias que sobrevivem do imposto pago pelo contribuinte, deveriam cumprir melhor a sua função constitucional.
Caso contrário, como esperar que o eleitor conheça os suplentes de senadores, se nem os candidatos ao Senado lhe foram apresentados? Como esperar que o eleitor seja mais exigente na sua seleção, se ele não recebe informação? A qualidade da nossa democracia depende da qualidade de nossos políticos. A qualidade de nossos políticos, por sua vez, depende do nível de informação da sociedade, que só será satisfatório se os meios de comunicação assumirem sua responsabilidade.
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Jornalista e doutor em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade de Rennes 1 – França