De repente, surge uma discussão ética sobre o belíssimo gol de Luís Fabiano contra a Costa do Marfim. Como é que nós, torcedores, temos a audácia de defender ética nos negócios, ética na vida pública, ética na vida privada, e ao mesmo tempo comemorarmos um gol ilegal? Mais do que ilegal, duplamente ilegal: o centroavante da Seleção usou os dois braços no lance.
A discussão é sem sentido: como não disse John Lennon, it´s only football.
Futebol pode ser negócio para quem vive dele como negócio, mas para o público, para nós, é divertimento, é paixão. Que história é essa, de agora todo mundo – inclusive quem não gosta de futebol – começar a exigir que o jogador se auto-acuse e auto-anule seu gol por irregularidade? Futebol não é assim: futebol não se esgota no campo, continua depois da partida, e talvez esteja aí a parte mais saborosa da competição. É de lei chatear o amigo que tem a falta de sorte de ser torcedor adversário, mandar-lhe e-mails se estiver à distância, telefonar-lhe com a gravação do gol ilegal. O ‘foi roubado sim, e ficou muito mais gostoso’. Saber que o torcedor adversário, além de ter de suportar a derrota, ainda carrega a irritação de ter sido roubado, é uma delícia!
O problema do gol do Luís Fabiano foi ter sido marcado contra a Costa do Marfim. Se fosse contra a Argentina, Itália, Espanha ou Alemanha a comemoração seria muito maior. E, se além do braço houvesse impedimento e falta no beque, se o juiz tivesse apitado o fim do jogo e voltado atrás para validar o gol, melhor ainda: seriam mais argumentos para chatear o torcedor do outro time.
O Barão de Coubertin, que recriou os Jogos Olímpicos em nossos tempos, dizia que o importante é competir. Comportava-se como cartola; ou, como se usava na época, como prócer, como paredro, como dirigente de um grande evento internacional. O jornalista Hamilton de Almeida, num texto magnífico para, se não me falha a memória, o Jornal da Tarde, usou uma frase de torcedor, de quem pensa que não há nada mais saboroso do que saber que certos amigos estão se mordendo, aguardando o telefonema com o cáustico comentário sobre a derrota: ‘O Barão de Coubertin que nos perdoe, mas o importante é vencer, não competir’. Gol de mão, pois. Impedimento, sim. E se a bola não tiver entrado, mas mesmo assim o juiz der gol, melhor ainda.
É grosso, sim
Correu pela internet um manifesto contra a Globo, pedindo que os telespectadores passem um dia sem vê-la. Besteira: ninguém é obrigado a ver a Globo. Quem preferir pode ver a Rede TV!, a Cultura, a TV Lula, tantas outras opções atraentes existem. Vê a Globo quem quer; quem a prefere às concorrentes.
E ‘punir a Globo’ por ter tentado fazer uma entrevista exclusiva com jogadores da Seleção, com autorização do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, é outra bobagem. Teixeira autorizou, a Globo foi lá. Se Dunga não permitiu, tudo bem: está no seu direito. Mas agredir verbalmente o repórter da Globo, em público, sabendo que ele não poderia revidar na mesma hora, está errado.E ficar resmungando contra ele está mais errado ainda.
Vale a pena, sobre esta ofensiva contra Galvão Bueno e a Globo, ler um texto extremamente sensato de Ricardo Kotscho sobre o tema. Está no Balaio do Kotscho e foi reproduzido neste Observatório.
É sábio, sim
Quem sabia das coisas era Walt Disney. Entre seus anões, Dunga era o mudo.
O alvo é Galvão
A propósito, a campanha contra o mais popular locutor de esportes da TV brasileira não está sendo feita só em twitters, blogs, portais: chegou aos grandes meios de comunicação. Há dias, um grande jornal, ironizando Galvão Bueno, atribuiu-lhe um escorregão geográfico: teria dito que a América do Sul já tem mais dois países classificados, o Uruguai e o México.
O México, claro, está na América do Norte (e o lamenta a cada instante, com a frase ‘pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos’).
Só que a frase completa de Galvão, sonegada ao leitor para que fosse possível ridicularizar o locutor, era a seguinte:
‘Dentro da nova geografia do futebol, a América do Sul tem mais dois países classificados: o Uruguai e o México. Isso considerando que o México já participa da Libertadores e da Copa América, torneios da América do Sul’.
A propósito, este colunista não o encontra há muitos e muitos anos, mas gosta pessoalmente de Galvão Bueno, simpático, agradável, excelente companheiro de trabalho. Entretanto, o considera superlativo demais como locutor. Há quem goste – a maioria da população, sem dúvida, que demonstra sua preferência sintonizando sua emissora. Este colunista prefere a Bandeirantes, mais contida e, mesmo com falhas, divertida. Normalmente só vê a Globo, com Galvão ou com seus substitutos, quando é a única a transmitir o jogo do Corinthians.
Divulgou, virou verdade
Quem localizou e identificou a besteira foi a sempre alerta Rosana Hermann, fera da internet.
Tudo começou com uma brincadeira de um blog especializado em brincadeiras: o Assuntos Criativos (@criativos). Na imagem, um dos Simpsons escreve na lousa, em inglês duvidoso, que não iria mais tuitar o ‘Cala Boca, Galvão’. Imediatamente a coisa se espalhou: portais especializados em notícias, não mais em brincadeiras de internet, passaram a divulgar, como se fosse verdade, que o episódio do ‘Cala Boca’ seria utilizado num episódio dos Simpsons.
Rosana Hermann foi buscar a origem da falsa notícia, encontrou-a, divulgou-a. A reação dos ‘portais sérios’ foi apenas retirar a falsa notícia do ar, sem esclarecê-la, sem se desculpar com os leitores, sem dizer que haviam errado.
A rápida divulgação de uma notícia falsa pela internet é algo que deveria estar sendo amplamente discutido pelos jornalistas. Alguém publica e imediatamente a notícia falsa é copiada e republicada de norte a sul, por dezenas, centenas de sites, alguns ligados a jornais, que depois a imprimem, outros ligados a emissoras de rádio, que a colocam no ar. Não adianta desmentir e comprovar a falsidade do que foi noticiado: mesmo que o site que iniciou a bobajada admita o erro, os que o copiaram fazem de conta que não é com eles. Nem todo mundo que edita noticiosos é gente boa, gente profissional: há os despreparados, há os que não se importam a mínima com a veracidade do que publicam. De tantos que são, o acompanhamento, com mensagens específicas para cada um destes sites, se torna impossível. E a notícia falsa é apresentada como se verdadeira fosse.
Quando um jornal, uma emissora, divulga uma notícia falsa, dá para conversar, mostrar, pedir desmentido. Se o desmentido for negado, há caminhos judiciais para percorrer. Mas como usar o desmentido, como percorrer esses caminhos judiciais, quando a disseminação é tão pulverizada? Teremos, sempre, de contar com a sorte para que não sejamos atingidos por informação falsa generalizada – e que, mais tarde, ainda por cima vai parar no Google?
Futebol e política
A Coréia do Norte, comandada por um ditador hereditário, Kim Jong-Il, o ‘Estimado Líder’, filho de Kim Il-Sung, o ‘Grande Líder’ (e pai do sucessor, que está sendo escolhido por ele), é provavelmente o país mais fechado do mundo. Não tem celulares, não tem internet, não permite que visitantes estrangeiros fiquem com seus celulares ou computadores portáteis tão logo cruzem a fronteira. Pois bem: agora está circulando, como se fosse verdade, um vídeo que teria sido exibido pela TV norte-coreana a respeito do jogo com o Brasil. No jogo, a Coréia do Norte vence por 1×0. O ‘Estimado Líder’ até seria capaz de algo desse tipo. O problema é outro: se fossem verdadeiras, como as imagens chegariam ao exterior? É um vídeo de brincadeira. Só peca por fingir-se de verdadeiro. Veja aqui.
Última Flor do Lácio…
Um país se faz com homens e livros, dizia um dos maiores escritores da língua portuguesa, Monteiro Lobato. Hoje já não é bem assim: no comunicado à imprensa do lançamento do livro Meus Contos Africanos, de Nelson Mandela, o título é ‘Sujestões de leitura nesta Copa 2010’. Sim, sujestões, escrita desse geito. Não é de jemer? Nem o jênio Nélson Mandela escapa dessas bobajens?
Aliás, o comunicado não para por aí: fala também das ‘bubuzelas’.
…inculta e bela
Os meios de comunicação decidiram sepultar definitivamente as normas de regência verbal. Objeto direto, objeto indireto, é tudo a mesma coisa. Dois exemplos, num veículo de enorme prestígio e circulação:
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‘(…) que o permita sair candidato ao Senado (…)’**
‘(…) que lhe deixou inelegível’
Esplendor e sepultura
O caso mais notável ocorre num anúncio de TV – daqueles que têm redator, diretor de criação, gente que aprova, gente que produz. No anúncio, que estimula os jogadores de futebol a superar-se, há uma exortação: ‘soe a camisa!’ ‘Soe’, do verbo ‘soar’, sinônimo de ‘tronspirar’, ou ‘trenspirar’, ou coisa parecida.
Tudo bem, o anunciante é gringo, não está muito a par da língua portuguesa. Mas serão todos gringos, do redator a quem aprova o – para usar o idioma que parecem preferir – ‘anôncio’?
Como…
De um grande jornal:
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‘No Brasil de Dunga, titulares do ataque são responsáveis por matar as jogadas dos rivais.’E os reservas do ataque continuam responsáveis por assistir ao jogo do banco.
…é…
De um jornal de circulação nacional:
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‘Falha da BP afeta aprovação da compra de ativos no país’Como é bom ser grande! O maior desastre ecológico desde que o petróleo começou a ser extraído passa a ser conhecido como ‘falha’.
…mesmo?
De um importante portal noticioso da internet:
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‘Uruguai vence todos os jogos e avança’Este era o título. No texto, o resultado de Uruguai x França: 0x0
Mundo, mundo…
Veja que coisa estranha:
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‘Amigos trocam tiros de chumbinho no ânus e vão parar no hospital’Não, não ache que a coisa mais estranha está no título (embora já não seja das mais normais). O melhor está no subtítulo:
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‘Eles até tentaram, mas o tiro não saiu por onde deveria’
…vasto mundo
De um portal noticioso:
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‘Morte salvou o astro Michael Jackson da falência, diz jornal’Deve-se entender o fato como uma boa notícia?
E eu com isso?
Sexo e gente pelada dominam o noticiário frufru:
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‘Mulheres jogam calcinhas para candidato a prefeito no Peru’**
‘Homem que mudou de sexo aos 58 ganha direito a aposentadoria em idade mínima para mulheres’Notícia perigosa: tem gente que para se aposentar mais cedo é capaz de fazer qualquer coisa, até de extirpar uma parte do corpo.
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‘Americano vai preso após se masturbar em ônibus’**
‘Mulher nua furta 2 carros, foge e leva choque da polícia’**
‘Estudo diz que 7 minutos é o tempo ideal para relação sexual’Ideal para quem, cara-pálida?
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‘Mulher arranca blusa na rua para espantar criança barulhenta’E há o noticiário frufru propriamente dito. Aquelas notícias sem as quais nem conseguimos dormir:
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‘Ex-BBB Angélica publica 1ª foto após colocar silicone’**
‘Deborah Secco quer deixar de se vestir como carioca’Segundo seus amigos, ela quer ficar com um visual ‘mais moderno’. E para isso deixa de usar a moda do Rio, sempre uma das mais avançadas do país?
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‘Renata Fan faz bicicleta enquanto assiste futebol na TV’**
‘Jéssica de `No Limite´ escolhe o buquê que usará no casamento’**
‘Depois de acidente, motorista bêbado aguarda resgate bebendo cerveja’**
‘Adriano falta a treino físico no Flamengo e não se justifica’E alguém ainda espera que Adriano um dia se dedique aos treinos?
O grande título
A variedade é ampla. Temos o nonsense:
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‘Jovem surta e coloca fogo em casa e foge do hospital’Se ela fugiu do hospital, é porque estava lá; como é que botou fogo em casa?
Temos estatísticas que até dá para entender, mas são bem esquisitas:
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‘Campinas registra quase 1 desaparecimento por dia’Pelo jeito, há dias em que uma pessoa quase desaparece – será isso?
Temos novidades fantásticas:
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‘Membro tenta deter Temptations falsos’A reportagem se refere a Otis Williams, único integrante ainda vivo do grupo original. Mas não é inusitado um membro tentando deter tentações?
E temos o grande título, referente ao Santos FC:
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‘Time volta aos treinos com Ganso de molho’Usando a mesma linguagem culinária, irão refogar o Ganso?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados