A cada dia que passa, a comunicação midiática se faz presente em nosso cotidiano de forma mais intensa. Quando sentamos no sofá e não ligamos a TV parece que esquecemos de algo imprescindível ou que falta uma parte de nós. Com razão, o teórico da comunicação Marshall McLuhan, em Os meios de comunicação como extensões do homem, afirma que os meios são extensões musculares, sensoriais e psíquicas do homem. Ou seja, as fotografias favorecem a extensão da nossa visão, assim como o computador prolonga o nosso sistema nervoso central.
Tão acostumados com um ambiente cercado por aparelhos eletrônicos que nos bombardeiam de imagens e sons, passamos a não mais conseguir distinguir o real do fictício. Os meios como extensão do homem possibilitam que nos projetemos no universo midiático e não percebamos onde está o limite entre o que é real e o que não é.
O investimento no merchandising
Talvez um grande exemplo da diluição da fronteira entre o real e o fictício esteja na morte da atriz Daniela Perez em 1992. Na época ela fazia uma novela em que seu personagem tinha grande simpatia pelo público, estava presente sempre na hora do jantar de milhares de brasileiros. Seu assassinato provocou uma ‘confusão’ na cabeça deste público, já que o assassino real, o ator Guilherme de Pádua, era o ‘Bira’ da novela – ciumento e machista, que não suportava ver sua namorada Yasmin (Daniela Perez) se exibir dançando em público. A antipatia dele para com os telespectadores foi o suficiente para a indignação com o crime real.
E o que dizer da aparição da então senadora Benedita da Silva no enterro do senador Caxias da novela O Rei do Gado? Esse é outro exemplo da mistura do real com a ficção. Poucas semanas após a morte do senador fictício da novela, morre o senador real Darcy Ribeiro. Em artigo do jornal Diário do Comércio da Indústria, afirma-se a inegável associação entre o velório de Darcy Ribeiro e o de Roberto Caxias da novela.
Atentos a esse fenômeno de fusão entre a realidade e a ficção, os grandes meios de comunicação passam a investir nessa capacidade amedrontadora, e ao mesmo tempo surpreendente, dos media. É fácil vender produtos, imagens, ideias para um público real por meio da ficção como rotineiramente vemos nos conhecidos merchandisings. Os telespectadores passam a comprar a tinta de cabelo que Cláudia Raia usa na novela ou o refrigerante que Márcio Garcia toma.
Mídia faz parte do nosso corpo
Por outro lado, o teórico Neal Gabler em seu livro Vida, o filme – como o entretenimento conquistou a realidade, mostra que os lifies, que seria a história de vida das pessoas famosas, podem virar produtos de venda e obra-prima para produções fictícias. Um exemplo é o vídeo que circula pela internet e bateu recorde de visualizações na rede, que mostra a cantora amadora Susan Boyle – ignorada, solteira, virgem, empregada e com uma voz que sacudiu o mundo e chamou atenção da imprensa. Até um filme contando a sua história pode ser lançado em breve, segundo últimas informações. Onde está a delimitação entre a ‘vida real’ de Susan e a ‘imagem fictícia’ de Susan no futuro filme? Não há.
Como se não bastassem esses exemplos, existem outros em que crimes são cometidos por ‘Lindenbergs’ que surgem, ou ‘Batmans’, entre outros. A notícia jornalística, infelizmente, também está fadada a se aproximar da ficção, principalmente os programas policiais que narram histórias detalhadamente com recursos da narrativa.
Pelo visto, a nossa vida virou um filme, como dizia Gabler. Somos atores e os acontecimentos giram em torno de nós. Os meios de comunicação fazem parte da nossa vida, são partes do nosso corpo e por essa razão têm o poder de mudar nossas percepções sem que tenhamos êxito em separar o que é do que não é.
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Estudante de Jornalismo da Unesp, Bauru, SP