Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A comunidade presente no dial

Nos dias atuais, com a proliferação das redes de rádio via satélite, ainda é possível escutar aquela típica programação do interior, em ondas médias? Em alguns estados, sim. É o caso de Santa Catarina, cuja capital, Florianópolis, não tem uma emissora que seja cabeça de rede. Assim, em vez de ouvir, por exemplo, informações do trânsito da capital ou de outra grande cidade, muitos ouvintes catarinenses escutam aquilo que é irradiado bem próximo de seu receptor.

Recentemente, liguei o receptor, em ondas medias, num fim de tarde em Capão da Canoa (RS), local propício para a escuta de estações do estado vizinho. A princípio, pensava que ouviria vários canais, em rede, com a mesma programação. Qual foi a surpresa ao captar uma dúzia de emissoras com programações próprias? E todas falando a suas comunidades. Algumas, inclusive, levaram ao ar identificações que faziam menção ao seu local de transmissão. A Rádio Hulha Negra, de Criciúma (SC), que emite em 1450 kHz, é ‘a voz da comunidade’. Já a Rádio Difusora, de Laguna (SC), que opera em 1160 kHz, diz que é ‘a verdadeira rádio da comunidade’. Por sua vez, a Rádio Imigrantes, de Turvo (SC), que emite em 1550 kHz, leva ao ar a identificação ‘a voz dos arrozais’.

O nome de sua rua

Assim, o locutor, instalado num confortável estúdio no Rio de Janeiro (RJ), em São Paulo (SP) ou Porto Alegre (RS), dá lugar ao apresentador local. Da mesma forma, os comentaristas de economia, que geralmente falam em linguagem ininteligível para o ouvinte comum, são substituídos por um programa feito por entidade local, que dá detalhes que interessam ao agricultor daquela região. Também aquele apresentador que insiste em executar músicas norte-americanas ou produções tupiniquins de péssimo gosto dá lugar a um companheiro e amigo que resgata velhas músicas sertanejas. Foi o que acompanhei. No primeiro caso, a Rádio Hulha Negra apresentava um programa conduzido por Marcos Cardoso. No segundo, a Rádio Imigrantes levava ao ar o programa Panorama Agrícola, produzido em parceria com entidade do setor agrícola. No terceiro exemplo, a Rádio Difusora irradiava o espaço Rodeio Sertanejo.

As redes funcionam assim: as emissoras matam a programação local e passam a irradiar programação pronta, produzida em grande centro, que fica disponível em canais de um satélite. Na lógica do empreendedor que adota tal atitude, é preferível não se incomodar com funcionários, equipamentos e vendas de anúncios. O que vale é a economia e a redução de gastos. A retransmissão está garantida com uma antena parabólica e um operador para cada turno do dia.

Quem escuta rádio em ondas médias geralmente quer ouvir o seu nome ou o de sua rua ou do seu bairro no ar. O que ocorre com o trânsito de São Paulo não interessa. Que sentido teria, por exemplo, para um agricultor de Turvo, a notícia de que a Rodovia Raposo Tavares tem trânsito lento? Menos mal que isso não ocorre!

O ouvinte agradece

Irradiar para a comunidade local não é privilégio das pequenas emissoras de ondas médias. As rádios comunitárias, em freqüência modulada, emitem programação para ouvintes que estão próximos de sua antena. Falam da falta de saneamento e apontam até graves problemas de criminalidade para as autoridades. Uma rápida visita aos sítios, na internet, de entidades que congregam grandes emissoras, revela que existe sistemática campanha tentando desmerecer o trabalho das rádios comunitárias. Qual o motivo para tal atitude? É que as emissoras que dão ‘vez e voz’ à comunidade incomodam. É mais fácil desmerecer tal trabalho do que abrir o microfone e trabalhar.

O que ocorre com as emissoras catarinenses citadas é emblemático. Mostra que nem tudo é como as grandes redes anunciam. Algumas já esgotaram, há algum tempo, sua capacidade de absorção de novas filiadas.

O responsável por uma emissora de ondas médias deve pensar bem antes de sonegar ‘vez e voz’ da comunidade para a qual emite. Em vez de desmerecer o trabalho das rádios comunitárias, deve seguir tal exemplo: falar cada vez mais ao ouvinte local. Afinal, se responsáveis por pequenas estações, no interior de Santa Catarina, assim procedem é porque a vitória das grandes redes ainda não ocorreu. O ouvinte agradece.

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Jornalista (www.romais.jor.br)