Em 2008, um pastor da Igreja Batista de Westboro e seu pequeno grupo de seguidores colocou fogo em um Corão em uma esquina em Topeka, no Kansas, fazendo questão de registrar em vídeo o episódio, na certeza de que haveria repercussão na mídia – o que não ocorreu.
Dois anos depois, um outro pastor, Terry Jones, planeja fazer o mesmo e o caso ganha atenção da mídia em todo o mundo – em especial quando ele informou que estaria cancelando o episódio, chamado por ele de ‘Dia Internacional de Queimar o Corão’. A data programada era 11/9, aniversário de nove nos do ataque terrorista em Nova York.
O plano polêmico de Jones – anunciado em julho – coincidiu com a controvérsia sobre a construção de um prédio de um centro muçulmano perto do local onde ficavam as Torres Gêmeas, o que gerou um debate sobre liberdade de expressão e de religião. Em julho e agosto, ele teria recebido mais de 150 pedidos para entrevista, cada vez reforçando seu ponto de vista extremista sobre o Islã e a lei de Sharia.
Na semana passada, seus planos de queimar o Corão foram destaque em redes de TV a cabo. O presidente americano Barack Obama condenou a ação do pastor e seu secretário de imprensa, Robert Gibbs, disse que havia ‘mais pessoas nas coletivas de imprensa de Jones que em seus sermões’. O comandante americano e das forças da Otan no Afeganistão, general David H. Petraeus, alertou que o fato de queimar o livro sagrado dos muçulmanos poderia prejudicar as tropas no país.
Gosto pela controvérsia
Jones começou a se tornar polêmico e ganhar atenção da mídia em 2009, quando colocou uma placa em frente à sua igreja dizendo ‘O Isã é do demônio’. O jornal The Gainesville Sun, de propriedade do grupo New York Times, escreveu sobre o caso. Logo depois, o diário publicou uma investigação sobre os ‘abusos financeiros’ da igreja, dentre eles venda de móveis no eBay, de propriedade da igreja.
Ainda no ano passado, quando algumas crianças da igreja vestiram camisas anti-Islã para irem à escola, o The Sun publicou outro artigo, republicado em outros veículos, como USA Today e a rede árabe al-Arabiya. ‘A igreja nunca mais descansou após este sinal’, comentou Jacki Levine, chefe de redação do Sun, reforçando que a equipe sempre discutiu como ser responsável na cobertura.
O Islã não foi o único foco de Jones. Membros da igreja também protestaram contra Craig Lowe, eleito, em abril, prefeito de Gainesville, abertamente gay. Alarmado pelos comentários negativos sobre Gainesville na mídia, Lowe divulgou uma declaração, no dia 3/8, classificando a igreja de Jones como ‘um grupo pequeno que envergonha nossa comunidade’.
O anúncio do pastor sobre queimar o Corão só ganhou atenção no início por um site chamado Religion News Service. Depois, sites maiores, como Yahoo!, comentaram sobre o caso no final de julho – e, em seguida, CNN, quando foi entrevistado pelo apresentador Rick Sanchez. Executivos da mídia alegaram que os planos do pastor ganharam repercussão depois de protestos no Afeganistão e outros países muçulmanos. Em Cabul, no último domingo, mais de 500 pessoas compareceram a um protesto no qual uma estátua de Jones foi queimada.
Boicote da mídia
Antes de Jones cancelar seus planos, a AP anunciou que não distribuiria fotos do episódio, dando início a uma norma que estabelecia que eventos que eram ‘fabricados gratuitamente para provocar e ofender não seriam cobertos pela agência’. Além da agência, a CNN e a Fox News também avisaram que não exibiram imagens do Corão sendo queimado. A secretária de Estado, Hillary Clinton, chegou a expressar ter esperança de que a mídia ignoraria o protesto de Jones.
Bill Keller, editor-executivo do New York Times, informou que o jornal não tem norma contra publicar informações que possam ofender – muitos consideram-se ofendidos por vários motivos –, mas se não houver propósito jornalístico, não haveria divulgação. ‘A liberdade de publicar inclui a liberdade de não publicar’, afirmou. Para Howard Kurtz, do Washington Post, a atenção na mídia traria consequências perigosas. ‘Por que o mundo precisa seguir um obscuro queimador de livros na Flórida? Em conjunto, nosso megafone transformou a história em algo internacional’, indagou.
Já o crítico de TV da Time, James Poniewozik, acredita que o caso atingiu um ápice que não deveria ser ignorado. ‘Isto é, infelizmente, um dos casos nos quais, ao ter se transformado em notícia, tornou-se algo legitimado, com opiniões de líderes, militares e protestos’, opinou. Informações de Brian Stelter [New York Times, 9/9/10] e da AFP [11/9/10].