Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fifa ainda vai descobrir a tecnologia

A tecnologia é impositiva. Dois exemplos rápidos: o celular e o computador. Quando os celulares foram lançados no Brasil houve quem não aceitasse a nova tecnologia. Alegava-se que não passava de uma coleira eletrônica. Podia-se perfeitamente viver sem ele. Em pouco tempo todo mundo aceitou o celular, e hoje é inadmissível não dispor de um. Os próprios aparelhos, que fazem tudo e até falam, também se adaptaram aos requisitos da preservação da privacidade, ao exibir o número de quem está ligando. Ainda existem algumas figuras jurássicas que recusam o celular. Mas aí já é maluquice, e com maluco não se discute.

Vamos aos computadores. Conheço um jornalista que não conseguia redigir um texto se antes não fizesse um rascunho a mão, depois copiado para o papel, no baticum da máquina de escrever. Hoje navega suavemente pelas páginas da internet e não acredita quando ouve falar que existe gente que ainda não sabe mexer num computador. Aliás, essa resistência ao computador me lembrou um colega, hoje ocupando os mais elevados papéis à frente das câmeras da Globo, que resistiu bravamente à informatização da redação, tanto que, para ele, foi reservada uma última e solitária máquina de escrever. Era muito engraçado ouvi-lo batucando aquele estranho artefato, e quebrando o silêncio informatizado da redação. Terminou rendendo-se à moderna tecnologia, até porque não havia mais como ter acesso às pautas, aos roteiros e às estratégias de planejamento de coberturas sem usar o computador. A tecnologia é impositiva.

Fator de decisão

Agora, com a Copa da África do Sul, novamente a tecnologia chega para dinamitar certezas e impor comportamentos. No jogo entre a Argentina e o México, o deslize do responsável por apertar os botões do telão do estádio revelou a Deus e ao mundo o impedimento do argentino Tévez. Mas o juiz italiano Roberto Rossetti, do alto de sua autoridade baseada no que achou que viu, validou o gol. Tostão, na coluna que escreve e distribui para vários jornais brasileiros, lembrou que ‘na Copa de 1966, na vitória da Inglaterra sobre a Alemanha, a bola não entrou, e foi gol. Quarenta e quatro anos depois a bola entrou, e não foi gol’, referindo-se à bola chutada pelos ingleses, que bateu na trave, entrou 33 cm e mesmo assim o gol não foi validado. Tostão arrematou: ‘Não utilizar a tecnologia para lances especiais é um atraso. Bastaria colocar uma TV para o quarto árbitro’.

A conservadora Fifa não aceita a chamada arbitragem eletrônica. Quer dizer: não aceita até ter de aceitar. A situação é exatamente a mesma dos que fincaram o pé contra o celular até o aceitarem, isto se ainda quiserem viver neste mundo. Ou aqueles que se orgulhavam de não usar o computador até perceberem que a tecnologia impõe, e ponto final.

O mundo inteiro acompanha os jogos em telas de alta definição, com slow-motions que revelam até o formato da raiz da grama arrancada pelas travas das chuteiras, através das imagens das dezenas de supercâmeras instaladas nos estádios e mais as câmeras exclusivas das emissoras de TV que estão cobrindo a Copa. Enquanto isso, um pobre e humano juiz só dispõe de duas falíveis ‘câmeras’ (seus olhos) e as de seus auxiliares.

A instalação de um chip na bola resolveria metade dos problemas da arbitragem. E a disponibilização das imagens geradas nos estádios para o quarto árbitro conferir e decidir lances duvidosos resolveria o resto. Chegará o dia em que a FIFA descobrirá, como aquele meu colega da Globo, que tecnologia é um troço legal. E impositivo. É só questão de tempo.

Em outros esportes os resultados são fantásticos. Prova disso são os sensores instalados nas piscinas, que não deixam qualquer dúvida sobre quem chegou primeiro, mesmo que a diferença entre o primeiro e o segundo colocados seja de milionésimos de segundos. Ou será que alguém acredita que numa Olimpíada ainda se volte a ter como fator de decisão apenas os olhos de um juiz?

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Jornalista, pesquisador, professor da UnB