Interessantíssimo o episódio ocorrido durante a Copa do Mundo entre o técnico Dunga e o repórter da Globo. Para além da óbvia natureza polêmica do ocorrido, algo aí pareceu-me diferente. Na era da internet, temos a possibilidade de ver e rever os fatos e observar a reação das pessoas comuns diante deles.
Foi assim que, estando fora do país, só pude entrar em contato com o episódio por meio de vídeos do YouTube. Decidi ler os comentários abaixo do vídeo da matéria exibida no Fantástico e tive aí uma completa surpresa. A grande maioria dos comentaristas, apesar das críticas emitidas no ar ao treinador da seleção, manifestou seu apoio a ele, criticando os jornalistas da Globo, taxando-os de arrogantes e soltando o verbo contra a própria emissora, considerada por muitos como manipuladora, criadora de casos, enfim, uma instituição em absoluto desprovida de vergonha na cara.
A meu ver, isso deve ser recebido como positivo pela sociedade brasileira. Afinal, depois de tantos anos dominando as audiências no Brasil, a rede Globo parece perder sua exclusividade, não só nas entrevistas, mas como grande formadora de opinião do Brasil. O povo começa a descobrir por si só (e isso ninguém divulga) que a mídia não é instrumento da democracia, primeiramente, mas sim, instrumento para encher os bolsos dos seus donos. As audiências, a partir de uma perspectiva crítica aparentemente crescente (se Deus quiser), finalmente percebem que a mídia, ao se dizer perfeita e rechaçar de imediato toda e qualquer crítica que se lhe dirige, age com a mais pura arrogância e prepotência. Ora, James Fallows, em seu livro Detonando a Notícia: Como a Mídia Corrói a Democracia Americana, acusava na imprensa ianque exatamente sua falta de autocrítica. Esse é também, sem dúvida, o caso do Brasil.
Uma posição que não é mais unânime
Então, deixo bem claro: não afirmo que a atitude de Dunga esteja correta. Sequer procuro me ater ao atrito que originou tal polêmica. Afirmo, sim, que, através dos comentários postados no YouTube, tive uma grata surpresa: de fato, não esperava perceber, no público, tal capacidade crítica perante a atuação dos que assumem, para si, a tarefa de formar a opinião.
Da mesma forma que perceberam uma ação deliberada contra o técnico Dunga, os brasileiros poderiam, anos atrás, ter percebido a atuação política da Rede Globo para que Collor de Melo fosse eleito presidente da nação. Infelizmente não viram. Além disso, muitos começam a criticar, também, a excessiva exploração de determinados assuntos, como a própria Copa do Mundo. O Brasil é campeão mundial cinco vezes. Dá orgulho de ser brasileiro quando pensamos dessa forma, não? No entanto, ao abrir os sites, para efeitos de comparação, da Globo e da maior emissora inglesa, a BBC (emissora pública, é bom lembrar), constatei que o primeiro era praticamente um site temático, enquanto o segundo manteve, mesmo em época de Copa, toda a sua dignidade. Sabendo que a mídia deveria assumir papel de municiadora da cidadania, não dá vergonha de ser brasileiro?
À Rede Globo, fica a mensagem dos comentaristas: sua posição, mais nunca, não é unânime. Ao público, parabéns: espero que a consciência crítica continue crescendo, pois é somente criticando as realidades que nos cercam que poderemos, efetivamente, buscar algo melhor.
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Estudante de Jornalismo, Coimbra, Portugal