Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Preciosidade paleográfica

Quando o príncipe dom Pedro de Alcântara proclamou a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, o que atualmente se conhece por estados eram províncias do novo Império. Criado o estado independente chamado Império do Brasil, era necessário fazer um balanço – do território e do patrimônio natural e humano – para saber o que havia restado da colonização e seguir adiante com a construção de um país. A Estatística da Imperial Província de São Paulo é resultado desse levantamento, preparado em 1827 a pedido da Assembleia Geral. Na época, a província de São Paulo incluía o que é hoje o estado do Paraná.

A Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) reuniu em uma única publicação a versão fac-similar do manuscrito, assim como sua transcrição paleográfica – forma antiga de escrita – e a transcrição moderna. De acordo com Plínio Martins Filho, diretor-presidente da Edusp, a ideia do projeto, que teve apoio da Fapesp por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, surgiu há cerca de seis anos com o bibliófilo e empresário José Mindlin (1914-2010).

‘Essa foi uma das últimas sugestões de Mindlin, junto com as edições da Bibliographia Brasiliana e de Ciência, História e Arte: Obras Raras e Especiais do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, que também foram publicadas pela Edusp’, disse à Agência Fapesp. Essas outras obras também tiveram apoio Fapesp para publicação. Martins Filho explica que o motivo de produzir uma edição fac-similar vai além de sua importância histórica. ‘Na questão estética, a obra revela a caligrafia cursiva, que é muito bonita. Além disso, a cópia do documento original permite ao pesquisador conferir a transcrição paleográfica direto na fonte, sem a necessidade de ir à biblioteca’, explicou.

A relação entre a igreja e o Estado

Já os não estudiosos da paleografia, mas interessados nos dados geográficos, históricos, políticos e econômicos, entre outros aspectos levantados pelos autores, podem contar com a transcrição moderna, uma espécie de tradução do português do século 19 para a linguagem atual. Embora o manuscrito tenha sido originalmente produzido por sete pessoas, apenas uma delas teve seu nome destacado na página de rosto, o tenente-coronel José Antônio Teixeira Cabral. Cartógrafo e engenheiro, sua participação no documento não foi a mais significativa, segundo Martins Filho. Assim como Cabral, o padre-mestre Francisco de Paula e Oliveira também teve colaboração tímida, porém importante, descrevendo o contexto histórico.

Os demais membros responsáveis pelo original da obra são o tenente-general José Arouche de Toledo Rendon, morto sete anos após a produção do relatório, que fez o levantamento territorial de São Paulo. Por ser advogado, descreveu as normas de distribuição das terras, conhecidas como sesmarias.

Os recursos minerais da região, entre outros aspectos do país, foram explorados pelo padre-mestre Manoel Joaquim do Amaral Gurgel. Outro sacerdote a contribuir com o documento foi José Antônio dos Reis, ao coletar os dados do setor agropecuário. Parte dos recursos hídricos e dos recursos naturais foi levantado por Candido Gonçalves Gomide. Um dado curioso descrito no documento é sobre o rio Tietê: ‘As margens do Tietê abundam de soberbo arvoredo e de muitas e ótimas frutas silvestres. Cria copiosíssimo e delicioso peixe e, entre outras espécies, há: dourados, saupés, pacus, piracanjubas, surubins, piracambucus, jaús e piraquaxiaras, algumas de duas arrobas.’ Cenário inimaginável para os atuais habitantes da capital paulista com o poluído rio que corta a metrópole.

Joaquim Floriano de Toledo foi um dos que mais atuaram no manuscrito ao abordar a região costeira da província paulista. Toledo faz também um relato da organização política, assim como a relação entre a igreja e o Estado de uma das mais importantes províncias do Brasil Império.