Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Iniciativa da cidadania derrotada

Mais uma notória e legítima atuação democrática por parte da população, em razoável e pertinente exercício da soberania brasileira, com embasamento constitucional, resultou em uma ‘parcial’ derrota no Supremo Tribunal Federal. Trata-se do projeto de iniciativa popular que deu origem à famosa ‘Lei da Ficha Limpa’.

Vale, aqui, inicialmente, tecer alguns comentários sobre o que seja ‘iniciativa popular’: é um dos dispositivos da Constituição Federal de 1988 que prevê uma forma de participação dos cidadãos em elaborar um projeto que, posteriormente, poderá ser transformado em uma lei complementar, criando ou alterando dispositivos legais. Para conseguir a aprovação, o projeto deverá ser encaminhado à Câmara dos Deputados com a assinatura de 1% de todo o eleitorado brasileiro, dividido por, no mínimo, cinco estados, não podendo conter menos que três décimos em cada um deles.

Percebe-se uma longa trajetória contra a maré da burocracia legislativa e jurídica, afim de se conseguir sentir, ao menos, a sensação de democracia plena, de que o povo realmente conseguiu, de forma legítima, corrigir uma falha da dita ‘Constituição Cidadã’, a qual apenas serviu, neste momento, para ir contra os anseios populares e contra ela própria, uma vez que o STF utilizou a Constituição para desmontar uma outra previsão contida nela. Usou-se o artigo 16, que diz: ‘A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.’ Em contrapartida, no artigo 14, o parágrafo 9°, inclusive mais recente que o dispositivo anterior, sustenta que ‘lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta’.

Prorrogação da aplicabilidade

Nesse sentido, os votantes contrários à Lei da Ficha Limpa promoveram parte de seu discurso alegando não ser justo o candidato ser surpreendido, ou seja, apegou-se ao termo ‘normalidade’, já que segundo eles, sugeriu-se ser uma ‘anormalidade’ a inclusão de um novo requisito que prezasse pela probidade do candidato, o que se confirma pela pouca menção feita pela parte da lei que mencionava ‘moralidade’ e ‘vida pregressa do candidato’. E também muito se falou em igualdade partidária, mas pouco se preocupou em discorrer sobre a luta por um projeto que preza pela ética e probidade no sistema político brasileiro, no sentido de que viria para melhorar o atual modelo de eleição. Indiretamente, optou-se por permitir que a ética e a probidade suportem os atuais abalos, como desvios milionários de verbas públicas, concentrado em um pequeno grupo de pessoas que conseguiu vencer mais de 1 milhão de assinaturas cujo clamor era por um sistema eleitoral verdadeiramente íntegro. A opinião pública certamente não será consultada frente a toda essa ópera. E para piorar ainda mais a situação, o Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, cujo voto foi em favor da Ficha Limpa, já disse que a aplicação da referida lei não tem garantia de aplicabilidade para 2012, tendo em vista que o quadro de ministros será alterado em virtude de aposentadorias, o que acarretará em novos pessoas discutindo sobre a referida lei. A situação não está fácil.

Assim, a finalidade social da lei foi asfixiada por uma argumentação maliciosamente, lastreada na burocracia jurídica, a qual cresceu propositadamente neste caso; o bem comum, que perpetua todo a ciência do Direito, teve o seu alcance aprisionado, e os princípios que remetem à moralidade, à igualdade, à soberania popular, foram desprezados. O que dizer dos milhões de brasileiros que assistiam a esse cenários? Talvez frustração seja a mais adequada neste momento. E a democracia? Certamente, para este caso, a soberania não é popular, mas, sim, do Poder Judiciário.

O resultado de toda essa atuação da população, vai ter que esperar. Com a prorrogação da sua aplicabilidade, o dispositivo em questão, a Lei Complementar n° 135, só produzirá possíveis efeitos em 2012. E olhe lá se produzir.

Pergunta-se: quanto tempo a cidadania, ética, a população, a democracia, um efetivo combate à corrupção, podem esperar?

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Advogado, Natal (RN)