Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Al Gore e seu e-book exemplar


O Estado de S. Paulo, 9/5


David Pogue


Al Gore cria um e-book exemplar


Sou convidado a testar novos aplicativos o tempo todo, mas não é sempre que este convite é feito por Al Gore. Na verdade, ele só me convidou uma vez, e foi na semana passada.


Mordi a isca. Reuni-me com ele e os coautores de Our Choice (algo como Nossa Escolha), uma versão em formato de aplicativo de US$ 5 para iPhone, iPad e iPod Touch do livro de mesmo nome, escrito por Gore em 2009 e já consagrado como best seller.


Serei sincero com vocês: sou constantemente convidado a experimentar algum novo tipo de aplicativo que promete ‘revolucionar’ os e-books e afirma reinventar a sua leitura. Em geral, isto quer dizer apenas que o texto é acompanhado de alguns clipes de vídeo.


O Our Choice, no entanto, parece de fato cumprir esta promessa.


De acordo com a descrição do próprio Al Gore, seu livro de 2006, Uma verdade inconveniente, dedicava 90% de suas páginas ao problema da crise climática, e apenas 10% delas às soluções. Our Choice busca inverter esta proporção.


Trata-se das medidas que ele acredita serem necessárias para evitar o pior do desastre climático. Todos os fatores são explorados: fontes solares, eólicas, nucleares, questões políticas e populacionais, o desmatamento. Gore mostra que continua em forma: sua retórica é marcada por argumentos convincentes, cuidadosos, razoáveis e repletos de trechos recapitulando em termos leigos os avanços das pesquisas científicas mais recentes. Se o leitor não conhece termos como carbono negro, albedo e halogenetos, passará a compreendê-los depois que chegar ao fim de Our Choice.


Gore reconhece os argumentos dos céticos, e chega até a resumi-los, antes de partir para uma tentativa de derrubá-los. Ele continua a transmitir a mensagem de que temos de agir rapidamente para evitar problemas climáticos realmente devastadores. ‘Os Estados Unidos continuam a tomar emprestado dinheiro da China para comprar petróleo do Golfo Pérsico e queimá-lo de maneiras que destroem o planeta. Cada elemento deste funcionamento perverso precisa mudar’, escreve ele.


O livro foi publicado em 2009, mas a versão sob forma de aplicativo foi atualizada. São incorporados ao debate o ceticismo que segue os mesmos moldes daqueles que questionavam a nacionalidade de Obama, o tsunami no Japão e o fracasso das negociações climáticas no ano passado.


Mas chega de falar do livro. A grande novidade é o aplicativo.


As informações são organizadas como num livro, com 400 fotos, ilustrações e gráficos. O efeito funciona melhor no iPad, é claro, mas as versões miniaturizadas para a tela do iPhone/iPod Touch funcionam surpreendentemente bem. Em ambos os casos, pode-se diminuir o zoom para ver miniaturas das páginas na parte inferior da tela, facilitando a navegação.


Nas duas versões do aplicativo, a verdadeira magia está nos elementos visuais. Cada foto e cada gráfico podem ser ampliados até ocupar a tela toda; o impacto visual é espetacular. Neste modo de exibição, é possível interagir com estes objetos. Pode-se tocar o canto de qualquer imagem, por exemplo, para saber em que local ela foi feita. Pode-se passar o dedo sobre uma barra de um gráfico para ‘reparti-la’ em pedaços menores, exibindo dados complementares ao gráfico principal. (Há um gráfico, por exemplo, que mostra os seis principais gases que contribuem para o efeito estufa. Ao manter o dedo sobre a barra que representa um destes gases, esta é subdividida em elementos menores, mostrando a origem das emissões: transporte, edifícios e assim por diante.)


Algumas das ilustrações se tornam animações narradas. Outras mais parecem filmes (há ao todo uma hora de material em vídeo), e a maioria dos trechos é narrada por Gore.


A interatividade e a possibilidade de aproximar e afastar os elementos gráficos não são apenas um efeito pirotécnico supérfluo. Elas de fato incrementam a leitura, proporcionando uma experiência diferenciada. O livro ganha, com isto, uma aparência de página da web; ao gosto do leitor, pode-se deixar o texto principal de lado e aprofundar-se nestes temas paralelos. Em nenhum momento isto interfere no andamento da argumentação principal.


Graças à toda esta integração multimídia, tão bem executada, o livro estimula outras áreas do cérebro além daquela que se ocupa da leitura de prosa. Como resultado, Gore vai muito além na sua missão — a persuasão — do que seria possível recorrendo-se apenas à página impressa.


Outro resultado é que o leitor pode passar muitas horas entretido com este ‘livro’, imerso na exploração dos seus recursos. Eis aqui um e-book que de fato redefine o efeito da leitura de um livro eletrônico.


A tela de toque é realmente bem explorada, assim como os falantes e o espaço de armazenamento do dispositivo eletrônico. E o melhor é que a pequena empresa responsável pela criação do aplicativo (chamado PushPop Press) diz que, nos últimos 18 meses, não criou apenas Our Choice. Ela criou também uma plataforma, uma tecnologia que permitirá a publicação de e-books cada vez mais envolventes num processo cada vez mais rápido e fácil.


Há espaço para melhorias. Não é possível fazer buscas no texto, nem copiar trechos, nem fazer anotações ou grifar frases. Links para páginas da rede seriam uma inclusão óbvia. A narração de Gore não é, exatamente, a mais animada que já ouvimos.


Fiquem sabendo também que trata-se de um aplicativo grande, com mais de 50 megabytes. Na verdade, ao comprá-lo na loja de aplicativos, o usuário recebe apenas um vídeo introdutório; deve-se então baixar o restante do livro a partir de um ponto com acesso à rede Wi-Fi. Esta pode ser uma surpresa desagradável para aqueles que comprarem o livro pouco antes de embarcar numa viagem, por exemplo.


Mas, no seu conjunto, este é um dos aplicativos mais elegantes, fluidos e envolventes jamais vistos. Trata-se de uma excelente demonstração das capacidades do novo mundo dos dispositivos sensíveis ao toque.


Eu disse a Gore que, francamente, estava aliviado por ver que Our Choice é um aplicativo tão surpreendente. ‘Tive medo que fosse desanimador’, eu disse. ‘Eu teria que comparecer a esta reunião e fingir que o adorei.’


Gore não perdeu sua deixa. ‘Eu sei’, disse ele. ‘Também me senti assim em relação à sua minissérie Nova.’


Sujeito espirituoso. É também um autor convincente e cuidadoso. Ele supervisionou a criação de um livro-aplicativo muito interessante que, nas palavras de um freguês da loja de aplicativos, ‘transforma a leitura numa experiência interativa, satisfatória e, acima de tudo, emocionalmente envolvente’.


Bom trabalho, sr. vice-presidente.