Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O circo e a catarse de um povo

Não é novidade para ninguém que programas como CQC e Legendários adotam posturas dignas de polêmica, mas o diferencial é o tipo de reflexão que tais situações podem gerar, especialmente quando o assunto é a mídia. Li um texto muito interessante na edição anterior deste Observatório. Trata-se de UOL – Justiça pela via jornalística, escrito pelo jornalista Ricardo de Barros Bonchristiani Ferreira. O artigo traz crÍticas a um texto escrito por Mauricio Stycer, jornalista e crítico do UOL intitulado ‘Legendários faz ‘jornalismo justiceiro’. E, já que polêmica é polêmica, não faltou lenha na fogueira…

‘Um distúrbio de opinião. É assim que pode ser classificado um texto publicado pelo jornalista Maurício Stycer, crítico do UOL, abordando o que ele chamou de `jornalismo justiceiro´. Na maior parte das vezes, Stycer segue as pegadas do profeta Isaías: `Voz do que clama do deserto´, no que se refere à TV brasileira. Ele representa um olhar diferenciado sobre a produção cultural eletrônica e destoa um pouco da `babaovice´ de celebridades e besterois apelativos que essa mídia, em nosso país, produz.

Mas, apesar de sua costumeira lucidez, acabou manifestando um sentimento rabugento, retrógrado e, talvez, com uma ponta de inveja ao falar da reestreia do CQC, da Band, dia 14/3. A profundidade de suas críticas foi tão nula que ficou explícita a intenção de falar mal por falar mal.’

Já dá para ter uma ideia de como isso vai prosseguir, mas tudo bem. Veja este outro trecho e tire suas próprias conclusões:

‘[…] Stycer estava inspirado e seguiu reclamando, dessa vez do repórter Elcio Coronato, do Legendários, da Record: `No primeiro programa de 2011, ele quis mostrar, em um shopping de São Paulo, que motoristas desrespeitam a reserva de vagas para idosos. Para isso, impediu, com seu próprio carro, que veículos burlando a lei deixassem o local. Dessa forma, obrigou os motoristas a ouvirem seu sermão sobre aquilo que haviam feito.´ Impressão minha ou isso é exatamente o que todo mundo tem vontade de fazer numa situação dessas? O repórter estava lavando a alma de todo mundo ao deixar bem claro ao autor do erro, e diante de todo mundo, que é sacanagem parar na vaga se você não é idoso. O fato de um programa de TV estar fazendo isso, não sendo sua função primária, só mostra que absolutamente nenhuma autoridade o faz. Quem sabe, mostrando em rede nacional, o folgado da vaga aprenda alguma coisa. Mas não na opinião do Stycer, que acha isso erradinho.’

Falando como telespectadora…

Todo o texto prosseguiu mais ou menos na mesma linha, como se seu autor fosse um telespectador aborrecido com quem falou mal de um dos seus programas preferidos. E desse modo, antes de pensar em escrever a esse respeito, reli ambos os artigos. Tentei pensar como alguém que gostasse dos programas citados e em sua reação diante de uma crítica que poderia soar mordaz e equivocada. E francamente, não consegui.

Não me leve a mal. Estou falando como telespectadora, no mesmo papel em que Ricardo parece ter se colocado ao escrever. Tanto CQC quanto Legendários, praticantes do tal do ‘jornalismo justiceiro’ me aborrecem. Não estou dizendo que este nicho não mereça ser considerado, pelo contrário. Porém, não dá para ignorar que nesse tipo de programa a linha entre ‘jornalismo’ e sensacionalismo seja tênue e, na maior parte do tempo, simplesmente inexista. Com isso, temos mais uma opção de espetáculo nesse grande circo em que a TV se transforma vez ou outra.

Sei que é possível usar o humor para falar de coisas sérias, mas em muitos momentos a piada simplesmente se transforma em algo vexatório. A catarse surge como sendo mais importante que suas denúncias, usando a fórmula de ‘quanto mais constrangimento causar, melhor’. Ok, sei que essa é a fórmula para buscar a tão desejada audiência; afinal, telespectador quer mais é ver o tal circo pegar fogo. São as regras do jogo e nesse meio é importante dar ao público aquilo que ele deseja, porém nem todos têm estômago para isso, independente do quanto o ato de fazer justiça com as próprias mãos possa parecer atraente.

Como não sou parte desse público, faço uso da tecla on/off do controle remoto. Sou apenas uma telespectadora que pensa o oposto, dadas as circunstâncias extremas nessa situação. Simples assim. Vai um colírio aí?

No fim de seu texto, Ricardo diz: ‘Vida longa ao `jornalismo justiceiro´ e um pouco de colírio nos olhos do Stycer.’ Tudo bem que a ideia seja criticar o jornalista diretamente, mas talvez a frase se estenda a todos aqueles que possam concordar – em partes ou não – com o que o autor chama de ‘sentimento rabugento e retrógrado’.

Sendo assim, acho que vou dispensar o colírio, pelo menos enquanto tais programas se limitam apenas a criar circos em prol de audiência.

E você? O que acha do jornalismo justiceiro? Aceita o colírio?

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Jornalista, São José do Barreiro, SP