Foi publicado no Globo, no dia 1/3/2011 (no caderno comemorativo dos 416 anos do Rio, intitulado ‘Rio virtuoso’, que hipoteticamente mostra uma recuperação da economia que só o ilustre diário enxerga): ‘Setecentos e sessenta mil turistas devem ocupar quase todas as vagas da rede hoteleira desta cidade durante o carnaval. Quando forem embora deverão ter deixado US$ 560 milhões.’
Quem lê uma notícia dessas deve se perguntar: mas, como? Se a rede hoteleira é por volta de 25 mil quartos, numa conta rápida admite-se com muita boa vontade 60 mil pessoas hospedadas; onde ficarão as outras 700 mil? Como se chega a exatos US$ 560 milhões? Num cenário super-otimista, se poderia falar no máximo em US$ 74 milhões, somando-se os desembarques dos cruzeiros. O detalhe é que esta estimativa é da Secretaria Municipal de Turismo porque a ABIH-RJ (Associação Brasileira da Indústria Hoteleira, seção RJ), mais realista, espera que a ocupação chegue a mais de 95%.
Qualquer destino turístico de qualidade jamais apresentaria números oficiais tão questionáveis e, ainda por cima, promoveria desfiles com mais de 150 mil foliões alcoolizados em um só bloco, que vandalizam a cidade e que podem em segundos provocar uma tragédia de proporções inimagináveis. Qual é a expectativa séria de faturamento municipal para o evento que é considerado como a maior festa do mundo? Qual foi a última vez que se ouviu falar que uma empresa se mudou para o Rio em vez de que se mudou do Rio?
Só o aumento de veículos ameaça paralisar o trânsito
Para completar, outra matéria do mesmo jornal, no mesmo caderno especial, afirma que o Rio vive um ciclo virtuoso, (des)informando: ‘O Rio comemora o aniversário em meio a um processo de revitalização e renovação, de olho no futuro. Investimentos previstos há décadas estão saindo do papel, boa parte impulsionada pelo fato de a cidade ter conquistado o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016.’ E aí lista as maravilhas:
a) A revitalização da área portuária num projeto de R$ 16 bilhões, que até agora não foi tornado público, não convenceu e é baseado na venda de Cepacs (certificados que permitem construir acima do gabarito oficial até 50 andares), que não são garantidos por ninguém, porque se o prefeito atual não se reeleger quem garante que o novo irá dar sequência? Daí a importância de aumentar em 9000% os gastos publicitários em relação a 2009.
b) O Rock in Rio? Qual é a relação deste evento com a renovação e a revitalização da cidade?
c) Uma linha de metrô Barra-Zona sul (não chega nem ao aeroporto; e os subúrbios?)
d) Dois corredores de ônibus de ônibus que os especialistas condenam em uníssono porque ao serem inaugurados já serão obsoletos, como já ocorre no Paraná, de onde veio a ideia. Com o detalhe de que os BRS (Bus Rapid Service) anunciados em Copacabana em nada se parecem com o serviço original.
Convenhamos ser pouco para uma cidade que vive um processo de decadência que já dura 50 anos. A cidade não está sendo preparada, nem planejada para um crescimento econômico que poderia advir do processo de revitalização econômica apregoado. Se houver qualquer melhora econômica, só o fluxo do aeroporto já inviabiliza o corredor de ônibus que o liga ao centro. Se o turismo se desenvolver face ao potencial do Rio, o próprio aeroporto, ao ficar pronto, já estará obsoleto. Só o aumento anual de veículos, (mais de 40 mil são emplacados anualmente, fora os que são de fora e se agregam) ameaça paralisar o trânsito.
Inexplicável diferença de investimentos
Pesquisas de 2007 mostram, por exemplo, que 90,2% dos habitantes de Barcelona (uma cidade que passou por um processo de revitalização radical e bem-sucedido) concordam que a atividade turística é a que traz melhores benefícios para a cidade porque aporta muito dinheiro para a economia (80,5%), cria empregos (76,6%), beneficia e incrementa a atividade cultural (75,8%). Já aqui, pesquisa da UniverCidade apurou que 40% nunca tinha feito turismo. O que demonstra que a sociedade não entende a atividade nem sua importância para a economia.
O Rio tem tudo para se reinventar, após uma crise que levou a cidade à total falência dos serviços públicos e privados. Vai fazer uma Copa, sediar uma Olimpíada, terá investimentos até 2016 estimados em R$ 50 bilhões. Isso será suficiente para reativar uma economia combalida, onde nenhum setor escapou incólume e da qual, até dois anos atrás, só 5% da economia era formal (RCV)? Em Londres, de cada libra investida na Olimpíada, 75% será na comunidade. Aqui, no Pan de 2007, quase 80% dos investimentos foram para a iniciativa privada e ficamos somente com elefantes brancos e contas para pagar. E que pelo que veremos abaixo não será diferente em 2016.
Na Barra, projetos que levariam 30 anos para sair do papel, levarão cinco e serão locados em 4 milhões de m², dos quais metade pertencem a um grupo que estima gastar R$ 110 milhões só para construir ruas, avenidas e infraestrutura na parte que lhe pertence para edificar residências, além de parques, um shopping center, hotéis e até hospitais. Será o novo coração da Barra. Só no terreno da Vila Olímpica, que também pertence a esta empresa, serão feitos 44 prédios com 2800 apartamentos de três a quatro quartos de alto padrão, divididos após as Olimpíadas em oito ou nove condomínios isolados. Esta super-oferta preocupa o mercado por aumentar de uma hora para outra a oferta. Contudo, não existe preocupação e nem um estudo de impacto na infraestrutura e problemas decorrentes.
Já em 600 mil m², na área portuária, serão feitos mais imóveis residenciais para acomodar 80 mil pessoas e escritórios comerciais de alto luxo, que são apontados em diversas pesquisas como sendo absolutamente indispensáveis. É interessante destacar que para mais de 4 milhões de m² na Barra há um projeto ao contrário do centro, que investirá em infraestrutura através de uma PPP dezenas de vezes o valor da Barra. É inexplicável a diferença de investimentos: ou na Barra vai se comprometer a infraestrutura, ou no centro há um super-faturamento.
Um exemplo de qualidade de vida
Ainda no caso da Barra, tudo será facilitado porque cerca de 80% dos investimentos públicos para 2016 beneficiam a região. Na área central mais valorizada da cidade, onde um prédio comercial não precisa nem ser vendido, pois com menos de quatro anos de aluguel (40 meses) já haverá lucro, estranhamente estão sendo concedidos diversos instrumentos de renúncia fiscal. Nada contra a especulação imobiliária; em Nova York, em função da demanda turística, estão fazendo um bairro para acomodar mais um milhão de pessoas, mas não à custa dos contribuintes.
O que leva a inteligência carioca, suas lideranças empresariais, moradores e estudantes que ao sair da faculdade não têm alternativa a não ser prestar concursos públicos, por causa da notória falta de estabilidade que afetou a vida de seus pais, a desconsiderar a reinvenção da cidade com qualidade de vida, como outros lugares que tinham problemas iguais ou piores do que os nossos conseguiram? É interessante lembrar que estes eventos são os mais expressivos no mundo e indicados para revitalizar economias através da indústria turística, como aconteceu em Barcelona e Sidney. Mesmo sem eventos importantes, Liverpool, Haifa e Bilbao, entre outras regiões portuárias decadentes, como o Rio, se revitalizaram através do turismo.
O Rio tem o maior potencial reconhecido da maior indústria do mundo, o turismo, que é responsável por um em cada nove empregos do planeta (OMT). Hoje, quase um bilhão de pessoas viaja anualmente ao exterior e, em 2016, a OMT prevê 1,6 bilhão. Ou seja, negócio mesmo é desenvolver a atividade no Rio.
Barcelona voltou-se para o turismo e hoje é exemplo de qualidade de vida. O prefeito Maragall, quando aqui esteve, contou que para as Olimpíadas conseguiu fazer apenas cinco hotéis, mas que depois foram feitos mais de duzentos. Qual foi a mágica? De 1990 a 1995, houve um incremento de 85% no setor, sendo que de 1995 a 2000 houve uma estagnação. É que nessa época o turismo de negócios entrou em um ciclo que exigiu que as cidades tivessem Centros de Convenções Internacionais (CCI), preparados para atender um turista exigente e com gasto médio mundial acima de US$ 505,00 (ICCA). Só para comparar, a média do Rio é de cerca de US$100,00, cinco vezes menor, e a do país é de US$ 58,00 (Embratur).
Um erro repetido
Barcelona reviu seu plano diretor, voltou-se para o segmento de negócios e, a partir de 2000, ao inaugurar um centro de convenções triangular com 4 mil m², passou a ter um incremento turístico anual próximo a 10% até 2004; quando inaugurou outro centro, com 10 mil m², obteve um aumento de 75% até 2007, associado à expansão da rede hoteleira em mais de 50%. A taxa de ocupação beirava os 80%. A atividade envolvia em 2007 quase 20 milhões de euros/dia com seus 7,108 milhões de turistas, movimentando 25% de setores que não são ligados diretamente ao turismo. Repare que só se considera turista quem paga uma diária de hotel porque Barcelona neste ano teve comprovadamente, por estatísticas, quase 20 milhões de visitantes. Se computarmos o número dessas pessoas, que alugam imóveis por temporada ou ficam na casa de amigos, sua importância será de mais de 50% na economia.
O setor é um fator crucial para qualquer economia, pois desenvolve toda a sociedade simultaneamente ao movimentar todos os mais diversos setores. Na Áustria, o volume de negócios gerado pelas empresas de turismo é responsável por quase 18% do Produto Interno Bruto (PIB) segundo o World Economic Forum (WEF). Seu principal mercado é Viena, que sempre está entre as quatro lideranças do ICCA (Associação Internacional de Congressos e Convenções).
O nosso prefeito está atento e já declarou que ‘a situação [no Rio] é muito parecida com a de Barcelona em 1990. A rede hoteleira sentou no trono e está deitada em berço esplêndido, feliz da vida com as tarifas que pode cobrar e com os poucos investimentos que precisa fazer’. Ou seja¸ temos um setor (turístico) que reconhecidamente está impedindo que a cidade se desenvolva. Mas que, se for trabalhado, seguirá o mesmo comportamento de Barcelona com lucros estratosféricos.
O presidente do IAB, sr. Sérgio Magalhães, quer deixar como legado olímpico um centro de convenções na Francisco Bicalho, o que é um erro absurdo e que será repetido pela 3ª vez. O Riocentro, o maior da América Latina, sempre eleito o melhor centro de convenções por ser no meio do nada e de lugar nenhum, não atende às requisições de um mercado extremamente exigente e competitivo, ao ponto de o último evento de vulto ter sido realizado em 1998. O da Cidade Nova segue a mesma linha, com o agravante de ser blindado e um pequeno erro de projeto ter reduzido sua capacidade à metade, além de ter um nome oficial que expulsa os concorrentes (patrocinado por uma grande seguradora, tem o seu nome).
Oportunidade que se perde
É muito amadorismo… Só para ilustrar o que a cidade deixa de faturar: o Rio em 2009 fez 140 congressos e convenções, enquanto Barcelona em 2008, em meio à maior crise econômica mundial, realizou 2196. Sem contar as feiras.
Mas existe um projeto que é do conhecimento do sr. Sérgio Magalhães, tem aprovação de diversos secretários e que unirá toda a sociedade em função de aumento substancial da renda per capita, gerando inicialmente 2 milhões de novos empregos, aumento da arrecadação em U$ bilhões e permitindo um crescimento planejado com metas em curto, médio e longo prazo, via planos de negócio apoiados no aumento estimado da arrecadação que sustentem a atualização da infraestrutura a um padrão internacional, trazendo qualidade de vida, toda uma indústria periférica, o setor internacional de serviços, o total desenvolvimento da indústria criativa e uma nova ordem socioeconômica, cultural e ambiental que levará o Rio de ‘Cidade Partida’ à vanguarda mundial como a ‘Cidade Maravilhosa’ de verdade, acabando com o atual abismo de classes e apresentando uma economia exuberante em curto prazo, como, aliás, aconteceu em todos esses lugares do mundo onde o turismo foi utilizado como instrumento de transformação.
Para tanto bastam algumas pequenas alterações, tais como colocar no Píer Mauá o maior, melhor e mais moderno CCI do mundo, dentro de um conceito que jamais poderá ser igualado. Contudo, além de vontade política, ou da falta de vontade política para fazer o melhor pelo Rio, com transparência para toda a sociedade, existem também interesses econômicos de certas empresas privadas que têm em suas mãos o monopólio da mídia no Rio de Janeiro, e que por isso usam a imprensa para manipular a opinião pública a favor desses seus interesses próprios. E assim o Rio perde a oportunidade de se reinventar como a ‘Cidade Maravilhosa’ que um dia foi.
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Engenheiro e coordenador do Movimento Acorda Rio