Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Paulo Machado

‘Somos todos pertencentes a uma única e mesma raça: a humana. Entre nós, a cor da pele nos diferencia – será? Historicamente falando, sim. Todos sabemos que esta foi, e em alguns casos continua sendo, uma condição adotada por diversas sociedades e regimes políticos ao longo do tempo para discriminar e estabelecer privilégios para determinados grupos sociais em detrimento de outros.

No Brasil, apesar da discriminação racial ser criminalizada pelo Estatuto da Igualdade Racial, culturalmente ela continua produzindo efeitos devastadores – sociais, políticos e econômicos, principalmente para os afrodescendentes.

Procurando medir a dimensão desses efeitos na realidade atual, o IBGE divulgou no ultimo dia 17, a Síntese de Indicadores Sociais 2010. A Agência Brasil publicou uma série de matérias repercutindo os resultados da pesquisa, dentre elas, uma cujo título foi IBGE: número de brancos no ensino superior ainda é o dobro do de pretos. ‘Pretos’? Mais do que seu conteúdo em si, o uso da expressão causou estranheza a muitos leitores.

Matheus G. M. escreveu: ‘O título desta matéria diz o seguinte: ‘Número de brancos no ensino superior ainda é o dobro do de pretos’. Pretos? Que título infeliz.’

Outro leitor, que se identificou apenas por Silvio, perguntou: ‘A palavra ‘pretos’ esta correta? Não deveria ser negros ou afrodecendentes?’

Lenilson Ferreira, nos consultou sobre o uso do termo: ‘Caro Ouvidor. Li a mensagem abaixo no site da Agência Brasil nesta data: IBGE: número de brancos no ensino superior ainda é o dobro do de pretos. Gostaria de ouvi-lo a respeito, pois considero esta manchete preconceituosa, uma vez que a raça é chamada de ‘negra’ e não de ‘preta’.’

A ABr respondeu: ‘Favor informar ao leitor que o termo é usado na classificação feita pelo IBGE.’ A Agência modificou o título da matéria algumas horas depois de publicada: Número de brancos no ensino superior é muito maior que o de pretos e pardos.

No capítulo 8, do relatório do IBGE (disponível aqui), cujo título é ‘Cor ou Raça’, há um resumo da historia de como o tema vem sendo tratado no continente. O texto esclarece a questão da terminologia utilizada pelo IBGE. Depois de aparecerem as expressões mais genéricas ‘populações indígenas, afrodescendentes e eurodescendentes’ na página 225, encontram-se as seguintes observações:

‘Como ocorre na maioria dos países latino-americanos, as pesquisas do IBGE fazem uso da autoclassificação por parte de quem responde aos levantamentos, tanto por amostragem como nos censitários’; e ‘Vale sublinhar que o IBGE vem buscando aperfeiçoar o sistema de classificação, que atualmente é composto de cinco categorias: branca, preta, parda, amarela ou indígena’.

Portanto leitores, nada de ‘negros’. Segundo a metodologia adotada pelo Instituto, o uso desta expressão para agrupar ‘pretos e pardos’, como aparece na referida matéria da ABr, é inadequado.

Assim como é inadequado utilizar a expressão ‘pretos’ para agrupá-los, conforme utilizado no seu título original.

A relação entre o tamanho das populações auto-classificadas como ‘pardos’ e ‘pretos’ no Brasil, de acordo com o relatório do IBGE, baseado em dados do PNAD, coletados em setembro de 2009, é de 6,4 vezes mais ‘pardos’ do que ‘pretos’. Para uma população total do país à época, de 191,8 milhões de pessoas, 84,8 milhões eram ‘pardos’ contra 13,2 milhões de ‘pretos’. Tentar reunir esse contingente sob a expressão ‘pretos’, não corresponde à realidade apurada pela pesquisa.

Esclarecidos esses conceitos, sugerimos aos leitores que relevem as imprecisões linguísticas do título e do texto – elas distorcem a informação, e releiam a matéria da Agência Brasil pensando sobre seu conteúdo, pois ele reflete uma nação onde ‘os brancos têm mais acesso à educação em todos os níveis’, ‘ os pretos e pardos ainda apresentam o dobro da incidência de analfabetismo verificado na população branca’, ‘a diferença de rendimentos entre os ‘negros’ e os brancos é de pelo menos 20%’ e onde o número de brancos com ensino superior concluído é três vezes maior do que o número de pretos e pardos.

Juntos, eles constituem 51,1% da população brasileira e suas famílias são a maioria entre aquelas com filhos de até 14 anos. Esperamos que estas crianças cresçam em um país onde os indicadores da cor da pele se tornem tão insignificantes que possam ser abolidos das pesquisas. Só assim seremos plenamente uma só raça humana.

Até a próxima semana.