Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tento, logo desisto

1. Quem dirige de fato o Egito, após a queda de Hosni Mubarak? Qual sua tendência política?

2. Quais os objetivos da rebelião líbia, além de derrubar a família Kaddafi?

3. De acordo com as informações divulgadas pelos meios de comunicação, a rebelião líbia é um movimento predominantemente civil. Fulano era professor, Sicrano era encanador, Beltrano era comerciante. Qual, portanto, o sentido das notícias a respeito de armar os rebeldes? Que é que um ex-comerciante vai fazer com um tanque? E o encanador, será capaz de pilotar um caça Tornado britânico? Ou será que os civis não são tão civis assim como a imprensa vem mostrando?

4. A imprensa divulgou como novidade o noticiário sobre a morte de civis em bombardeios da OTAN na Líbia, especialmente após a denúncia do núncio papal em Trípoli. Alguém acreditava, de verdade, que um bombardeio aéreo pouparia todos os civis? Mesmo que todos os cuidados sejam tomados, mesmo que a precisão das bombas e foguetes seja total, sempre há civis por perto. Ou no palácio de Kaddafi todo mundo seria militar, até mesmo as faxineiras?

5. Fukushima já emitiu alguns milhares de vezes o volume de radiatividade tolerável por seres humanos. Houve mortes causadas pela radiação? Há doenças graves já diagnosticadas? No longo prazo, quais os efeitos que o vazamento de Fukushima pode causar – se é que essa resposta existe?

São muitas perguntas, poucas respostas. Mas, quando houve a rebelião no Irã, sabia-se que seu inspirador era o aiatolá Khomeini, que liderava o clero muçulmano, e que havia também participação civil, embora minoritária (e que logo foi descartada). Quando o partido Ba’ath tomou o poder no Iraque e na Síria, sabia-se que o comando caberia a militares nacionalistas, inimigos tanto do Ocidente como dos religiosos muçulmanos. Quando houve o acidente na usina nuclear de Chernobyl, o governo fechou o cerco sobre as notícias e sabia-se que de lá só sairiam boatos, que eventualmente até poderiam ser verdadeiros, mas que seria impossível comprová-los ou não. E agora, quais as respostas?

 

O especialista e a História

Num desses programas em que especialistas bravos e de paletó apertado olham furiosos para os telespectadores, enquanto brandem suas verdades indiscutíveis, um professor criticou pesadamente o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, por decidir que o princípio constitucional da anualidade não permitia que a Lei da Ficha Limpa entrasse em vigor nas últimas eleições.

Perfeito, a opinião do ministro pode ser amplamente discutida (até porque há, na Constituição, outros dispositivos aplicáveis ao caso, e cada ministro teve também de verificar qual dispositivo, esses ou o da anualidade, seria mais adequado para o caso em julgamento). Mas a argumentação do mestre se baseou em dois pontos:

1. Se a lei tinha de ser aprovada no ano anterior às eleições, por que cinco ministros do Supremo votaram a favor de sua aplicação?

2. Como é que um ministro toma uma decisão sem levar em conta as exigências da opinião pública?

São argumentos que impressionam por sua fragilidade.

1. Cinco ministros votaram de uma maneira, seis votaram de outra. Seis é a maioria. O ministro Fux não decidiu a questão com seu voto: apenas integrou a maioria cujo ponto de vista foi vitorioso.

2. Há duas exigências da opinião pública a ser levadas em conta. Uma delas é a de quase dois milhões de pessoas que assinaram o projeto de iniciativa popular a esse respeito, enviado ao Congresso. A outra é de quem votou nos cavalheiros cuja posse havia sido vetada. No Pará, por exemplo, tanto o primeiro colocado quanto o segundo eram fichas-sujas (ambos, aliás, notórios), e receberam mais votos que seus adversários. E, se é para levar em conta a voz rouca das ruas, que se substituam os tribunais por institutos de pesquisa.

Aliás, este colunista nunca vai esquecer uma gigantesca manifestação na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, em que a multidão aplaudia os ditadores que acabavam de entrar em guerra com a Grã-Bretanha. Eles perderam a guerra, o governo, o apoio popular e a liberdade. A opinião pública já de há muito tinha perdido a razão.

 

Açeçorias

A constrangedora entrevista de Dilma Rousseff ao jornalista português Miguel Souza Tavares pode ser jogada integralmente na conta da presidente (veja a íntegra). Com inúmeros assuntos lhe cobrando atenção, acaba desconhecendo coisas importantes. Cabe à assessoria oferecer-lhe um briefing, um resumo dos fatos do momento, das tendências, dos caminhos, para que possa transitar sem problemas diante de um bom entrevistador.

E nesse governo de 40 ministros, centenas e centenas de assessores, mais o ministro paralelo Marco Aurélio Garcia, que continua perto do palácio, não houve ninguém para informar à presidente que o primeiro-ministro português havia perdido a confiança do Parlamento, anunciado que deixaria o cargo (o que ocorrerá dentro de um mês, mais ou menos), e que isso nada tem a ver com o presidente da República, que é outra pessoa, com outras funções e que tem mandato por tempo determinado?

As centenas de ministros e auxiliares deixaram Dilma Rousseff solta no espaço, sem saber que o primeiro-ministro tinha renunciado, acreditando que primeiro-ministro e presidente eram a mesma pessoa, e temendo que não houvesse ninguém para recebê-la na visita oficial que faria em seguida ao país.

Gente demais é, para o desempenho de um trabalho, tão ruim quanto gente de menos. Os meios de comunicação não cuidam deste assunto, exceto para lamentar, muito de vez em quando, o dinheiro desperdiçado com ministérios em excesso e com aquele tipo de auxiliar que custa caro e que, com o qual ou sem o qual, o governo seria tal e qual.

Já que a imprensa não se manifesta, seria interessante que a presidente tomasse nota das razões deste tropeço e fosse, aos poucos, limitando a multidão que vive do leitinho do governo – pois, como desta vez, a vítima pode ser ela.

 

De mortuis

A cobertura da morte de José Alencar não foi um obituário, nem uma biografia: foi uma hagiografia, a descrição da vida de um santo. O provérbio em latim reza que dos mortos só se fala o bem. Mas a imprensa não pode limitar-se a brocardos. José Alencar foi mais do que um santo: foi gente. Gente que sofre, gente que resiste, gente que ri, gente que faz sucesso, gente que erra, gente que toma seus tombos, gente que falha, gente que decepciona, gente que emociona.

Um homem bem acima da média. Uma pessoa de quem valia a pena ser amigo, dividir uma mesa, jogar conversa fora. Não era santo, mas era bom. E isso é ótimo.

 

Já combinaram com a China?

A imprensa noticia e deixa por aí: parece que se trata da coisa mais normal do mundo, e que só não foi feita até agora por falta de imaginação. Pois o Palácio do Planalto determinou ao Ministério da Fazenda que estude uma forte taxação das exportações de minério de ferro, para estimular a venda de produtos com maior valor agregado, como pelotas ou aço.

Faltou assinalar que a China, maior compradora do minério brasileiro, não é obrigada a comprar do Brasil. Pode comprar de outros países; e multinacionais como a Rio Tinto, praticamente do tamanho da Vale, ficarão felizes em atender com a máxima presteza e boa vontade as encomendas chinesas de minério, ou do que a China quiser comprar.

 

Conjugar é preciso

Este colunista, sempre que fala a estudantes de jornalismo, repete uma recomendação: leia, leia muito. Com isso não apenas se informa, não apenas se enriquece intelectualmente, como também ganha fluência na língua. Quando escrever algo errado, vai sentir que há um erro.

Só que esta sugestão não pode mais ser usada com relação a jornais. Veículos grandes, importantes, escrevem coisas como ‘a Lua poderá parecer maior para quem se propor a observá-la com cuidado’; ou ‘polícia apreende 700 quilos de maconha em duas operação (…)’. Às vezes, saem frases vazias cheias de palavras difíceis, como naquela brincadeira de escolher palavras em três colunas diferentes para montar uma sentença que pareça técnica. Veja:

‘Assim como no mercado de petróleo, onde os investidores zeraram posições, evitando passar o final de semana expostos ao risco, na Bovespa também os agentes aliviaram as carteiras para ficarem mais leves’.

 

Como…

De um grande jornal, noticiando o jogo do Palmeiras com o São Caetano:

** ‘Time alviverde ficou no 0 a 0 com São Caetano’

O título seria perfeito se o jogo não tivesse terminado em 1×1.

 

…é…

De uma importante rede de TV, garantindo que a contratação de Adriano foi boa:

** ‘Trará muitas alegrias à torcida rubronegra’.

Só que, para o bem ou para o mal, Adriano não foi contratado pelo Flamengo, e sim pelo alvinegro Corinthians.

 

…mesmo?

De um gigantesco portal noticioso de internet, comentando o filme Rio:

** ‘O filme de Carlos Saldanha mostra um papagaio que tenta viajar dos EUA para o Brasil’.

Pois é. Mas o filme mostra uma arara que não tentou nada: simplesmente a enviaram ao Rio de Janeiro.

 

Mundo, mundo

Foi uma cena feia: no meio do jogo contra a Escócia, cai uma casca de banana perto do atacante Neymar, da Seleção brasileira. O incidente foi imediatamente classificado como racismo: Roberto Carlos e Jucilei já foram moralmente agredidos por torcedores que lhes mostravam bananas, a torcida do Lazio, na Itália, tem integrantes que ficam imitando macacos quando há negros no adversário, a Fifa já ameaçou punir os times cujas torcidas não saibam se comportar.

Os escoceses, indignados, negaram-se a reconhecer um caso de racismo. Provaram que a casca de banana foi atirada de um setor onde estavam os brasileiros (e, de qualquer modo, atirar uma casca de banana e acertar o alvo é dificílimo). E sustentam, mas sem provas, que a casca foi atirada por um torcedor alemão, sem intenções agressivas: era apenas mal-educado e tinha preguiça de ir à lixeira.

Mas, enquanto só se falava em racismo, um jogador brasileiro protestou:

– E na Europa, que se diz um país do Primeiro Mundo!

 

E eu com isso?

Guerra na Líbia, tensão na Síria, no Iêmen, no Bahrein, vazamentos radiativos no Japão, morte de José de Alencar – é tragédia demais! Vamos às boas notícias.

** ‘Talula e Rodrigo vão à praia no Rio’

** ‘Reese Witherspoon diz que o ator Robert Pattinson é sujo’

** ‘Luana Piovani troca beijos com novo namorado em praia carioca’

** ‘Rihanna diz que gosta de tapas, algemas e chicote na cama’

** ‘Integrantes do Iron Maiden bebem cerveja em bar de Belém’

** ‘Dira Paes sobre gravidez: ‘estou deixando acontecer’’

** ‘Mirella Santos mostra curvas em ensaio de biquíni’

** ‘Selos de William e Kate são lançados por ocasião do casamento’

** ‘Lindsay Lohan tropeça e deixa calcinha à mostra’

** ‘Courteney Cox se descuida e deixa seio à mostra no Caribe’

E ainda existe gente que acredita que Lindsay Lohan tropeçou e Courteney Cox se descuidou.

 

O grande título

Há títulos muito interessantes. Na área maliciosa, por exemplo:

** ‘Clube age para não ver Ganso em rivais’

Refere-se às gestões do Santos para que seus adversários não contratem o meia, pagando menos, para revendê-lo à Europa, ganhando mais.

Há um título daqueles bem enrolados, que Camões faria se lhe faltasse talento:

** ‘Cachorro é resgatado de casa levada ao mar três semanas após tsunami’

Há o título impossível:

** ‘Carro de Tancredo leva Alencar a velório’

Há o título que provoca curiosidade:

** ‘Descartado estupro em caso de jogador acusado de matar com machado’

E há um título sensacional:

** ‘Cobrador que havia sido declarado morto morre’

Como aquela mulher que o trem matou, o cobrador morreu pela primeira vez.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados