Na Associação Brasileira de Usuários de Acesso Rápido (Abusar), já estávamos carecas de saber que os únicos culpados pelas verbas do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust) ainda não terem sido utilizadas na informatização das escolas, bibliotecas e hospitais eram a Anatel e o Minicom.
Aí, a Subcomissão Permanente de Ciência e Tecnologia do Senado nos convidou para uma exposição sobre o Fust no dia 14/9. Fomos lá e demos o nosso recado aos senadores Flávio Arns (PT-PR), Augusto Botelho (PDT-RR), Marco Maciel (PFL-PE), Roberto Saturnino (PT-RJ), Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Paulo Paim (PT-RS) que, salvo algum grotesco erro de interpretação de nossa parte, parecem ter gostado muito do que ouviram. Também participaram como expositores os Srs. João Tranchesi Júnior (Abranet), Luiz Cláudio Rosa (Abinee) e Joanilson Barbosa (MiniCom).
Na oportunidade, entregamos aos integrantes da comissão presentes à audiência o estudo reproduzido abaixo. Agora, se os senhores senadores vão aproveitá-lo para alguma coisa, só o tempo poderá dizer.
A legalidade nas telecomunicações e o FUST
Associação Brasileira de Usuários de Acesso Rápido (Abusar)
Brasília, 14 de setembro de 2005
A Associação Brasileira de Usuários de Acesso Rápido (Abusar), considera que o principal empecilho para a implementação dos programas, projetos e atividades previstos no artigo 5º da Lei 9.998 (Lei do Fust), principalmente aqueles que contemplarão os objetivos especificados nos incisos de V a VIII, é a inconcebível insistência da Anatel em ficar inventando artífícios para burlar a Lei 9.472 (Lei Geral das Telecomunicações), especialmente os artigos 69, 79, 80, 81 e 86, procurando forçar a utilização de recursos do Fust para remunerar as concessionárias de telefonia pela prestação de serviços de telecomunicações, completamente distintos do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), que não podem figurar entre as obrigações de universalização atribuíveis a estas empresas.
Um outro grande vilão nessa estória é o Ministério das Comunicações que, desde a instalação da agência em 1997, vem se recusando sistematicamente a exercer as competências de regulamentação, outorga e fiscalização de serviços de telecomunicações atribuídas a ele pelo inciso V do artigo 14 da Lei 9.649/98 (a partir da MP 1.342 de 12/3/1996), deixando prosperar a lenda de a Anatel ser um ‘órgão de Estado’, quando a Constituição Federal, a LGT e a Lei 9.649 demonstram de forma inequívoca que a agência reguladora das telecomunicações não passa de uma autarquia como outra qualquer, sujeita às mesmas limitações estabelecidas pelo Decreto Lei 200/67 para as entidades que fazem parte da Administração Federal Indireta.
Portanto, entendemos que a primeira providência a ser tomada para que as verbas do Fust possam ser utilizadas para as finalidades previstas na Lei 9.998 é restaurar a legalidade na área de telecomunicações, fazendo com que o Minicom finalmente exerça os mandamentos da Lei 9.649, assim como que o presidente da República comece a exercer a sua prerrogativa constitucional e privativa de expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da LGT, conforme entendimento manifestado em 1998 pelo ministro Sepúlveda Pertence, do STF, em seu voto na Adin 1.668-5, que questionava a competência da Anatel para expedir normas: ‘Entendo que nada pode subtrair da responsabilidade do agente político, que é o Chefe do Poder Executivo, a ampla competência reguladora da lei das telecomunicações’.
Plano geral de metas
Uma vez estando a Anatel impedida de continuar afrontando a Lei do Fust e a LGT, tornar-se-á possível ao Minicom regulamentar o Livro III da LGT, criando o Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações, para em seguida regulamentar o artigo 69 da lei, criando o regulamento específico para a modalidade de serviço ‘comunicação de dados’, cuja existência está expressamente prevista no parágrafo único deste artigo e cuja finalidade específica para o usuário é permitir a troca de informações entre computadores através de dados binários, o que a diferencia da telefonia, cuja finalidade é permitir a intercomunicação remota entre usuários através de voz. De acordo com o inciso I do artigo 214 da LGT, as minutas destes regulamentos deverão ser editadas pela Anatel e encaminhadas ao Minicom que, segundo a nossa leitura da Lei 9.649, ficará encarregado de: a) colocar as minutas em consulta pública, b) dar a formatação final dos regulamentos e c) submetê-los a aprovação do presidente da República, via Casa Civil.
Vale lembrar que o ‘regulamento geral’ dos serviços de telecomunicações e o ‘regulamento’ do serviço de comunicação multimídia, aprovados respectivamente pelas resoluções 73 e 272 da Anatel, são apenas minutas de regulamentos que, ao invés de terem sido encaminhadas ao Minicom, foram ‘colocadas em vigor’ pelo presidente da Anatel, usurpando prerrogativa privativa do presidente da República, tratando-se portanto de documentos desprovidos de qualquer valor legal.
O regulamento específico da comunicação de dados deverá prever a existência de uma modalidade do serviço a ser explorada em regime público, cabendo então à Anatel elaborar e propor ao presidente da República, por intermédio do ministro das Comunicações, um plano geral de metas para a progressiva universalização do novo serviço, no qual estarão incluídos os objetivos especificados nos incisos de V a VIII do artigo 5º da Lei 9.998 que serão contemplados com as verbas do fundo.
Localidades remotas
Além do plano de metas de universalização, a Anatel deverá propor as alterações que serão efetuadas no Plano Geral de Outorgas (Decreto 2.534/98), de forma a estabelecer as áreas de concessão onde o serviço de comunicação de dados será explorado, assim como também deverá criar um plano de metas de qualidade específico para ele.
Segundo recomenda o item 9.2.1 do Acórdão 1.107/2003 do TCU, emitido no dia 18/8/2003 em resposta a consulta feita ao Tribunal pelo ex-ministro Miro Teixeira, a outorga das concessões das prestadoras que atenderão ao Fust deverá ser realizada por licitação disciplinada pela Anatel nos termos dos artigos 89 e 210 da LGT, significando que a licitação não poderá ser destinada a simples contratação de prestadoras de serviços de telecomunicações já existentes e, sim, a outorga de concessão para exploração de um serviço de telecomunicações completamente novo, para o qual ainda não existe nenhuma prestadora.
A recomendação do TCU transfere aos eventuais interessados em se tornar concessionários de serviços de comunicação de dados a incumbência de negociar diretamente com os fornecedores os preços dos computadores e demais insumos necessários para a implantação das redes locais. No entanto, como os incisos V e VI do artigo 5º da Lei 9.998 estabelecem a obrigação da implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da internet, isto implica que, além das redes locais de computadores, as concessionárias de comunicação de dados também deverão instalar acessos físicos a redes IP em todas as localidades onde o Minicom determinar que haverá universalização, por mais remotas que elas sejam, sob pena de intervenção na empresa em caso de descumprimento das metas estabelecidas (item V, art. 110 da LGT).
Custo astronômico
Como o artigo 86 da LGT determina expressamente que as concessionárias de serviços prestados em regime público devem explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto de suas concessões, não existe a possibilidade de as concessionárias de telefonia tornarem-se fornecedoras de links IP das concessionárias de comunicação de dados, visto que as concessões daquelas são específicas para a comunicação STFC (voz). Por outro lado, caso o Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações, elaborado pelo Minicom, estabeleça de forma clara a obrigatoriedade do cumprimento dos artigos 154 e 155 da LGT, que tratam da desagregação de redes, as concessionárias de comunicação de dados poderiam utilizar elementos desagregados da rede do STFC para estabelecerem seus backbones IP, resolvendo parcialmente o problema da instalação de acessos físicos para comunicação de dados, pelo menos nas localidades onde exista o STFC.
Porém, como a universalização da comunicação de dados também terá de atender muitas áreas onde o STFC não existe, caberá então à concessionária expandir a capilaridade de sua própria rede IP, pela contratação de links de satélites, desagregação de elementos da rede de telefonia móvel ou até mesmo pela instalação de novos circuitos e equipamentos, como redes de fibras ópticas e tecnologias wireless (CDMA2000 1xEV-DO, MMDS, WiMAX, Wi-Fi e outras).
Assim, se considerarmos apenas os custos envolvidos na aquisição dos computadores, nos insumos para implementar as redes locais e na capilaridade da rede IP, poderemos constatar facilmente que independentemente da empresa ou consórcio que participar das licitações de outorga de concessões, os valores da tarifa dos serviços de comunicação de dados propostos por elas será sempre astronômico, impossibilitando que os serviços sejam prestados para quaisquer usuários, senão aqueles beneficiários das verbas do Fust, tornando a sua exploração eternamente dependente de subsídios.
Capacidade ociosa
Considerando também que, nos termos do parágrafo único do artigo 83 da LGT, as concessionárias de comunicação de dados estarão sujeitas aos riscos empresariais e deverão ser remuneradas pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras receitas alternativas, a Abusar entende que a outorga de concessões para exploração de serviços de comunicação de dados nos termos dos artigos 89 e 210 da LGT, conforme recomendado pelo TCU, será um péssimo negócio, tanto para as potenciais concessionárias quanto para os usuários e o governo.
Uma vez demonstrada a inviabilidade dos serviços inerentes ao Fust serem explorados pela iniciativa privada, resta então a alternativa de que sejam explorados por empresas estatais, opção que em nossa opinião se apresenta mais adequada, por permitir que a União possa remanejar os bens reversíveis das concessionárias de telefonia para as concessionárias de comunicação de dados, reduzindo significativamente o nível de comprometimento das verbas do fundo na capilaridade das redes IP, conforme será demonstrado a seguir:
Consta na Mensagem ao Congresso Nacional de 2003, enviada pelo Poder Executivo na Abertura da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 52ª Legislatura que, ao fim de 2002, encontravam-se em serviço no Brasil cerca de 38,8 milhões de acessos telefônicos fixos, enquanto a capacidade instalada das concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) totalizava, à época, 49,2 milhões de linhas, evidenciando uma capacidade de tráfego ociosa, suficiente para o atendimento de cerca de 11 milhões de novos terminais.
Passível de intervenção
Este problema da imensa quantidade de linhas telefônicas sem pretendentes já havia sido objeto do artigo ‘Proer das Teles’, publicado no jornal O Globo no dia 26/6/2002, que rendeu a sua autora, a jornalista Tereza Cruvinel, o prêmio Unisys daquele ano, no qual ela denunciava a destinação de R$ 612,3 milhões em recursos do Fust (75% do valor acumulado no fundo naquela época) a um suposto subsídio da tarifa telefônica das classes de baixa renda, das áreas rurais e das comunidades com menos de 100 habitantes, operação que acabou não se concretizando.
Considerando que a verdadeira universalização da telefonia está sendo feita pelos celulares pré-pagos e cada novo reajuste da tarifa de assinatura resulta na desativação de centenas de milhares de terminais, o mais provável é que a quantidade de linhas ociosas das concessionárias de telefonia fixa tenha aumentado significativamente nestes últimos anos, representando um peso morto que só serve para onerar ainda mais as tarifas pagas pelos assinantes do STFC, tornando-o cada vez mais inacessível para a população.
Como o Decreto 2.592/98 (Plano Geral de Metas de Universalização do STFC) estabeleceu que a meta a ser cumprida pelas concessionárias até o dia 31/12/2001 deveria ser de 33 milhões de acessos instalados, a astronômica quantidade de 49,2 milhões de linhas existentes no fim de 2002 apontada pela Mensagem do Executivo representa uma evidente demonstração de inadequação na prestação do serviço, irregularidade passível de intervenção nas concessionárias (item II, art. 110 da LGT), que exige medidas saneadoras imediatas por parte do Poder Concedente, para que o custo desta extravagância não fique pesando eternamente no bolso dos assinantes do STFC.
Inventário detalhado
Por outro lado, devido à obrigação de a União ter de garantir a existência, a universalização e a continuidade dos serviços prestados em regime público (art. 64 da LGT), todos os ativos estritamente necessários à prestação do STFC pelas concessionárias tornam-se bens reversíveis à União, significando que em determinado momento, por exemplo no fim das concessões, todos os equipamentos e circuitos correspondentes às atuais linhas ociosas do STFC passarão a pertencer ao Poder Concedente.
Já que as linhas ociosas representam uma inadequação na prestação do STFC que precisa ser imediatamente corrigida, certamente isto deve ser feito antes da renovação dos atuais contratos de concessão, até mesmo para evitar que os assinantes do STFC tenham de arcar com os custos de manutenção deste peso morto embutido nas tarifas por mais 20 anos, pois a esta altura dos acontecimentos ninguém tem dúvidas de que com as tarifas de assinatura proibitivas, a convergência tecnológica e o surgimento de novas alternativas, como a telefonia IP, a tendência é que o aumento da capacidade ociosa do STFC se torne irreversível.
Portanto, parece-nos que o correto seria a Anatel intervir temporariamente nas concessionárias de telefonia, fazer um inventário detalhado dos equipamentos e circuitos que não estejam sendo efetivamente utilizados para o STFC, retirá-los da relação de bens reversíveis das concessionárias, criar uma empresa de economia mista para cada região definida pelo Plano de Outorgas das concessões dos serviços de comunicação de dados, outorgar concessão para a exploração de serviços de comunicação de dados a cada uma destas empresas, incorporar os equipamentos e circuitos que estavam ociosos no STFC aos bens destas novas concessionárias, promover concursos públicos para o preenchimento dos quadros destas empresas, promover licitações nos termos da Lei 8.666/93 para compra dos computadores e componentes de redes que serão utilizados no atendimento das instituições beneficiárias das verbas do Fust, instalar imediatamente os computadores nas localidades onde os equipamentos e circuitos que pertenciam ao STFC possam ser reconfigurados como backbones internet e, finalmente, caso seja relevante aos interesses da nação, transferir o controle acionário destas concessionárias à iniciativa privada em leilões. Ou seja, basta que o governo siga exatamente a mesma receita utilizada no desmembramento do sistema Telebrás.
Numa só tacada
É importante lembrar porém, que a decisão das concessionárias de implantar por conta própria uma capacidade de tráfego muito superior à meta de 33 milhões de terminais estabelecida pelo Decreto 2.592/98 jamais poderia ter onerado as tarifas pagas pelos usuários do STFC, pois este tipo de investimento é inerente aos riscos empresariais previstos no artigo 83 da LGT, onde está estabelecido que as concessionárias devem responder diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos que causar.
Considerando então que o dinheiro para bancar o grotesco erro de previsão de ampliação das redes do STFC saiu integralmente do bolso dos usuários, nos parece óbvio que todos os equipamentos e circuitos do STFC, que no momento encontram-se ociosos por falta de pretendentes, pertencem aos usuários, e não às concessionárias de telefonia. Desta forma, sugerimos que o valor correspondente a estes equipamentos e circuitos ociosos que for apurado no inventário dos bens reversíveis seja transformado em ações das novas concessionárias que serão criadas e distribuídas proporcionalmente entre os usuários do STFC que tiveram suas tarifas indevidamente oneradas pela incompetência das concessionárias de telefonia.
Desta forma, vários problemas seriam resolvidos de uma só tacada, pois as concessionárias de telefonia livrar-se-iam do peso morto das linhas ociosas, a oneração do Fust com a implantação de redes IP seria bastante reduzida, as instituições beneficiárias do fundo finalmente teriam os seus computadores, novos empregos seriam criados, os assinantes do STFC seriam ressarcidos dos prejuízos e o mais importante: a tarifa do serviço poderia ser mantida em nível acessível, permitindo que as concessionárias prestem seus serviços ao público em geral, e não apenas às entidades beneficiárias do Fust, viabilizando com isso a desoneração progressiva do fundo, como quer o governo.
É o que tínhamos a dizer e agradecemos a atenção.
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Diretor de Assuntos Regulatórios da Associação Brasileira de Usuários de Acesso Rápido (Abusar), webmaster do site Username:Brasil (http://user.atualize.net)