A primeira tristeza provocada pela morte de José Alencar, o homem, é a tristeza provocada por todas as mortes e incide, sobretudo, nos parentes e amigos do falecido. A segunda tristeza provocada pela morte é a do impulso de examinar a origem da notícia.
Nos últimos oito anos, a imprensa do primeiro mundo, fonte da objetividade contemporânea, renovou a pauta quando tratou dos pobres. O Brasil se tornou ainda mais exótico com o inevitável registro do sucesso dos petistas. Se já fora surpreendente a eleição do presidente operário nesse backyard tão bem manipulado pelos nossos diplomatas, mais ainda quando a esquerda barbuda não descarrilhou a locomotiva da economia. Resultado: notícia.
A comunicação de massa nacional, pela primeira vez na história deste país, refreou o costumeiro entusiasmo de retransmitir a notícia dos ricos. Como explicar aos generosos proprietários das logomarcas inglesas o risco de a palavra ‘nacional’ deixar de significar ‘ruim’? Houve semanas em que as agências dos ricos divulgaram sete boas notícias seguidas. Do lado de cá, começava a não haver resistência possível. Talvez tenham sido necessários seis meses para a mudança do mood.
Dito e feito, lá de cima vinha mais uma notícia: na chamada, ‘José Alencar discorda de Lula’ e, em letras menores, ‘sobre a cor da camisa’. Não é possível não ser possível a república das bananas voltar ao desequilíbrio. Nada como devolver aos leitores alemães a segurança do previsível: o vice-presidente deles contesta o próprio governo, que ridículo! E assim se fez a luz, por aqui dessa vez mais fácil de propagar, que contrastou o nome, escrito em preto, de Alencar.
O homem e a notícia
Para o governo, nada melhor do que ter uma ovelha vestida de lobo quando o lobo vestido de ovelha, Nelson Jobim, permanecia sob mira. As agências do primeiro mundo chegaram a divulgar que o vice-presidente mineiro gostava de bomba nuclear. Afinal, algo previsível se se trata das Minas Gerais do terceiro mundo.
Quando, inesperadamente, surge notícia sobre doença.
A cobertura estrangeira não se exime ao furo. E assim vai, mais uma vez, obrigando mudança no mood nacional. As primeiras internações de Alencar foram motivo para a agência Reuters sugerir a possibilidade da instabilidade institucional; as últimas viriam a ser imposições da coerência. Desse momento em diante, tudo foi ontem: o Peixe Urbano se lançou no mercado com, pasmem, duas palavras em português; a campanha da Dilma, protegida pelo Dilma Boy, resistiu aos achaques da Veja; José Alencar, infelizmente, não pode participar da cerimônia do Dia Primeiro.
Enfim, nenhum leitor do Granma sente-se na necessidade de fazer a apologia póstuma de José Alencar, vergonha silenciosa dos barões em Brasília. Não era uma questão defender o nosso próprio vice-presidente. Mas, nenhum leitor do Granma acredita que o homem é a imagem da sua notícia.
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Filósofo e linguista, Florianópolis, SC