De tempos em tempos, os jornais dão em manchete fatos cruéis envolvendo crianças. Notícias que sempre repercutem e deixam os leitores querendo saber mais, para tentar entender o que realmente aconteceu, mas, principalmente, o que provoca atitudes como as dos pais das trigêmeas de Curitiba que – se a versão publicada for confirmada – tentaram abandonar um dos bebês no hospital.
A história é tão chocante quanto a de mães que abandonam recém-nascidos no lixo, jogam na lagoa (como aconteceu em Belo Horizonte) ou o do tristemente famoso casal Nardoni, que atirou a menina Isabella do alto de um prédio. E a repercussão é sempre muito grande, especialmente quando os envolvidos são pessoas de classe social com mais recursos, ou pelo menos com dinheiro suficiente para pagar os caríssimos tratamentos de fertilização artificial. O problema, nesses casos, é que os pais – inocentes, até prova em contrário – acabam condenados pela opinião pública.
Todo filho precisa ser adotado
A advogada dos pais curitibanos – que por enquanto tiveram sua identidade preservada – nega a versão publicada, mas os jornais, sem identificar as fontes, contam a seguinte história:
‘Funcionárias do hospital contam que, durante o parto, o pai afirmou que levaria somente dois bebês. Ele chegou a escolher duas das três meninas, que nasceram prematuras e com pulmão ainda em desenvolvimento. Ao saber que uma das escolhidas precisaria cuidados especiais, por estar mais fragilizada, teria dispensado a garota, dizendo que só queria as saudáveis. Enfermeiras e médicos, comovidos com a situação, mobilizaram-se para dar assistência aos bebês. Psicólogos tentaram convencer os pais a aceitar todas as crianças, mas não tiveram sucesso. As três meninas permaneceram por um mês na maternidade, embora já tivessem condições de serem levadas para casa com 10 dias de vida. Todas estavam saudáveis. Posteriormente os pais teriam ido ao hospital para tentar levar apenas duas meninas para casa. No entanto, elas já tinham sido encaminhadas ao Conselho Tutelar. O Estado apurou que os pais, arrependidos, já entraram com pedido de reconsideração na Justiça, requerendo a guarda das trigêmeas. O processo tramita em sigilo na Justiça’ (O Estado de S. Paulo, 02/04/2011).
A mesma história foi notícia em todos os jornais do país, mas foi na Gazeta do Povo, de Curitiba (em 02/04/2011), que a narrativa foi um pouco além, na matéria ‘Caso de abandono de trigêmeas causa polêmica sobre gravidez induzida’. A reportagem ouviu médicos que fazem o procedimento, discutiu a lei e falou com psicólogos, como Maria Virgínia Grassi:
‘Os casais que fazem fertilização precisam ser bem orientados durante o processo. Eles devem saber que podem ter mais de um filho e que isso implica muito mais responsabilidades. Não é o fato de desejar um filho que faz o casal ser pai e mãe. Todo filho – independentemente de ser adotado ou não, gerado por fertilização ou não – precisa ser adotado. Os pais devem fazer as crianças se sentirem parte da família. É nessa área que entra o trabalho de psicólogos.’
Um trabalho que vem se tornando cada vez mais necessário. Diz a reportagem:
‘Por ano, segundo dados da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, são feitas 25 mil fertilizações in vitro no país. A entidade não tem dados sobre a inseminação, mas estima, com base no relato das clínicas associadas, que o volume seja ainda maior. O custo do procedimento gira em torno de R$ 10 mil, mas geralmente são necessárias duas e até três tentativas para que a mulher engravide. De acordo com o diretor da Clínica Androlab Reprodução Assistida, Lídio Jair Ribas Centa, a chance da fertilização in vitro gerar múltiplos é maior devido ao procedimento usar mais óvulos e embriões. Dois fatores influenciam os casais a usar mais de um embrião. Primeiro, a ansiedade. Quanto mais embriões, mais chance de dar certo. Além disso, a questão financeira pesa bastante. Como o tratamento é caro, se o casal tentar com apenas um embrião a chance de não dar certo e se ver obrigado a tentar novamente existe. No entanto, para refazer o procedimento é preciso pagar de novo.’
Temas que deveriam estar mais presentes
O resultado é que tem aumentado muito o nascimento de múltiplos. Além dos pais não estarem preparados – emocional e financeiramente – para esse fato, ficam às voltas com o seu próprio despreparo e a falta de informações para começar uma nova vida não com um, mas dois, três e até quatro bebês. Do ponto de vista da imprensa, particularmente as revistas especializadas, está aí uma grande chance de que o assunto seja discutido.
E não apenas do ponto de vista de quem está feliz com o resultado. Mas, principalmente, do ponto de vista de pais que se programam para ter um ou dois filhos e são surpreendidos com três ou quatro bebês. O que essa surpresa representa em termos emocionais e financeiros? O que representa no dia-a-dia da família, especialmente de casais em que os dois trabalham? Isso para não falar da opção, igualmente afetiva e compensadora, dos casais que, na impossibilidade de ter seus próprios filhos, optaram pela adoção. E se sentem felizes e realizados com a decisão.
Fertilização, adoção, planejamento familiar, com o objetivo de esclarecer e educar, são temas que deveriam estar presentes na mídia constantemente, e não apenas quando se transformam em tragédia.
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Jornalista