Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Na era dos digileaks, ou vazamentos digitais

Suponha que você sabe um segredo que acha que deve ser tornado público. Como você agiria? Suponha que sua organização tem segredos que você acredita que devem ser preservados. O que você deveria fazer? Suponha que você é um editor, blogueiro ou ativista, com um informante buzinando no seu ouvido esquerdo e um governo ou companhia bufando no direito. Como você se decidiria?

Uma resposta à primeira pergunta vem de Daniel Domscheit-Berg, um ex-membro da equipe do WikiLeaks. Sua iniciativa OpenLeaks (openleaks.org) tem como objetivo prover uma ‘caixa de coleta digital’ onde potenciais informantes podem depositar seus tesouros digitais. No entanto, o OpenLeaks não selecionaria e publicaria material como o WikiLeaks fez quando editou – e intitulou Assassinato Colateral – o vídeo filmado de um helicóptero de assalto americano no Iraque enquanto ele matava 12 pessoas, incluindo dois jornalistas da agência Reuters, e feria duas crianças.

Como Domscheit-Berg me explicou quando nos conhecemos no começo do ano, o informante escolheria de uma lista selecionada de mídias e ONGs parceiras que receberiam o material. Por exemplo, um informante ambientalista poderia dizer ‘eu gosto do Greenpeace e confio neles para usar meus documentos no espírito correto’. Alguém no Ministério da Defesa alemão poderia dizer ‘eu confiou na Der Spiegel para publicar isso responsavelmente’. E assim por diante. Todos os juízos editoriais recairiam na organização noticiosa ou ONG parceira. O OpenLeaks seria um mecanismo neutro de transmissão – o guardião de segredos na causa da transparência.

Transparência e sigilo

Domscheit-Berg é um jovem alemão alto, magro, intenso, quase dolorosamente idealista. Apaixonado pelo valor da liberdade de informação, ele deseja que todos tenham a chance de seus ‘cinco minutos de coragem’. Isso, como ele assinala, pode ser tudo que demora para apertar o botão e transmitir montanhas de sujeira. Se ele quisesse ser realmente escrupuloso a esse respeito, talvez devesse também lhes dar cinco horas de reflexão em seguida, para pensarem melhor no assunto.

Eu estarei interessado em ver como o OpenLeaks se sairá. Em uma conversa telefônica nesta semana, Domscheit-Berg me disse que eles esperam começar no fim da primavera ou começo do verão (no hemisfério Norte), provavelmente com uma lista inicial modesta de três mídias e três ONGs parceiras. As dificuldades técnicas de garantir um anonimato férreo da fonte, especialmente contra um oponente poderoso como o governo americano ou chinês, é considerável. Apesar de o OpenLeaks poder argumentar que não tem nenhuma responsabilidade legal pela publicação, ele certamente enfrentará contestações judiciais. Por sua vez, importantes jornais como o New York Times e o Guardian também estão estudando a criação de suas próprias instalações do tipo ‘vaze aqui’.

Seja qual for o desdobramento desse processo, cada governo, companhia, universidade ou outra organização terá de assumir que haverá mais vazamentos digitais (ou digileaks, no jargão inglês) anônimos. A pergunta seguinte é, portanto, para quem sofreu o vazamento, e não para quem o fez. Como chegar a um equilíbrio entre transparência e sigilo? Mesmo serviços secretos e bancos suíços fazem hoje um aceno na direção da transparência. Eu não conheço, contudo, nenhuma organização do mundo que seja 100% transparente. Todas têm alguma coisa que querem esconder – e algumas coisas elas podem razoavelmente argumentar que estão justificadas em esconder. Com frequência, os dois não coincidem exatamente. Reparem, por exemplo, no espetáculo hilário de Julian Assange protestando furiosamente com vazamentos de dentro do WikiLeaks.

A sanidade mental cotidiana

Os jornais, dedicados à transparência, lutam para manter em segredo a identidade de suas fontes. O mesmo fazem organizações de direitos humanos, argumentando que se não fosse isso seus informantes ficariam sob risco em regimes repressivos e corruptos. O próprio movimento anticorrupção Transparência Internacional não pode ser completamente transparente. Existe, se quiserem, uma dialética aqui. Mas pode haver hipocrisia também: exigir de outro o que não se está preparado para fazer ou aceitar que lhe façam. (As vidas privadas de editores de tabloides salta à mente.) Há uma linha fina entre dialética ética e hipocrisia flagrante.

Então, o que uma organização deveria fazer? Eu sugiro dois princípios diretores. Primeiro, ser claro sobre seus fundamentos para o sigilo, transparente sobre sua não transparência. Ter critérios claros e estar pronto para defendê-los. Eles devem ser capazes de suportar o seguinte, e um tanto paradoxal, teste: se esse pedaço de informação se tornar público, você poderia explicar crivelmente porque ele não deveria se tornar público? Assim, por exemplo, não há absolutamente nenhuma boa defesa para manter secreto o vídeo do tiroteio do helicóptero americano. O que ele mostrou foi, na melhor hipótese, uma terrível mancada nas brumas da guerra; na pior, um crime de guerra. Aquilo deveria ter sido investigado e publicado.

Por outro lado, quando se trata dos detalhes de negociações de paz secretas entre representantes palestinos e israelenses, vazadas para a Al-Jazira e publicadas pelo Guardian, pode-se argumentar que havia um genuíno interesse público em mantê-las secretas. De que outra forma os negociadores podem ter confiança de explorar o publicamente indizível na busca da paz? Em circunstâncias em que correspondentes estrangeiros são tomados como reféns, os próprios jornais se tornam ativos praticantes da ocultação.

Meu segundo princípio diretor é: proteja menos, mas proteja melhor. Há uma enorme quantidade de coisas que governos e organizações mantêm em segredo sem nenhuma boa razão para isso. Essa foi a premissa por trás das campanhas por mais liberdade de informação, agora concedidas por muitos governos democráticos – e ela se mostrou correta. A luz do dia penetrou em quartos empoeirados e os negócios do governo não ruíram.

Lendo os telegramas do Departamento de Estado americano na base de dados que o Guardian fez com o tesouro do WikiLeaks, descobri relatórios classificados como ‘secretos’ que poderiam ter aparecido facilmente como ‘análises de notícias’ num jornal.

Portanto, decida o que você realmente precisa manter secreto, com critérios consistentes e defensáveis, e depois faça o melhor que puder para mantê-lo secreto. Por exemplo, não o coloque numa base de dados acessível para centenas de milhares de pessoas. Se obediência a esse segundo mandamento resultar em uma redução da quantidade de papel impresso e de e-mails em circulação, isso em si já será um serviço prestado às florestas tropicais e à sanidade mental cotidiana.

Vazamentos digitais mudam a democracia

Mas, e se algo radioativo mesmo assim vazar do núcleo secreto menor, seja via o mecanismo do OpenLeaks ou de outro modo? Deveria o senhor Jornalismo Ético desviar os olhos, corando, e devolvê-lo sem ler, exclamando ‘Ai de mim, eu realmente não deveria estar vendo isso’? Claro que não. É problema do governo conservar seus segredos. É problema da imprensa descobri-los.

A imprensa – aqui usada no sentido mais amplo para incluir blogueiros cidadãos e ONGs ativistas – faz então seu próprio julgamento sobre o que é do interesse público e o que será inaceitavelmente pernicioso. A lei estabelece fronteiras externas para esse antiquíssimo jogo de esconde-esconde. Os juízos feitos pelo jornalista não serão os mesmos dos feitos pelo ministro – ou o diretor de companhia, ou o chefe de hospital, ou o vice-reitor da universidade. Cada um faz sua parte, e o resultado é um dos conjuntos mais importantes de freios e contrapesos da democracia.

Os vazamentos digitais mudam a democracia como as raquetes de grafite mudaram o tênis. Se eles a tornarão melhor ou pior vai depender das regras, do árbitro e dos jogadores.

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Professor de Estudos Europeus na Universidade Oxford, bolsista sênior na Hoover Institution, Universidade Stanford, e autor, mais recentemente, de Facts are subversive: political writing from a decade without a name