A manchete do Globo na quarta-feira (6/4) sobre intervenção de um organismo da Organização dos Estados Americanos – OEA – na construção da hidrelétrica de Belo Monte não sensibilizou os outros jornais de circulação nacional. O tema morreu na quinta-feira, deixando a impressão de que a manifestação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA não tem mesmo a menor importância.
Além do questionamento sobre um suposto direito de um organismo multilateral de interferir em assunto interno de um país-membro, restam subjacentes os debates sobre a conveniência da construção da usina e sobre a estratégia brasileira para o setor energético, entre outros assuntos importantes. Mas na pauta geral do dia, os editores consideraram mais relevante o discurso do senador mineiro Aécio Neves (PSDB-MG), que tentou se apresentar como líder da oposição no Congresso.
Quando os jornais se transformarem em embalagem de peixe e de conteúdos menos nobres, ninguém será capaz de lembrar uma frase sequer do discurso do senador que pretendia fazer história. No entanto, a necessidade de produzir energia para a continuidade do crescimento econômico seguirá sendo um dos dilemas mais complexos da realidade nacional.
Sobre a inteferência da OEA, que pediu oficialmente ao governo brasileiro a suspensão imediata do licenciamento para a construção da usina de Belo Monte, restaria pouco a acrescentar. Trata-se, claramente, de ato indevido que invade a soberania brasileira.
Se nem mesmo os maiores especialistas em energia e meio ambiente conseguem chegar a um acordo sobre os riscos e a necessidade da usina, não seria a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que daria a palavra final sobre o assunto. Da mesma forma, os cidadãos comuns, leitores de jornais, não têm a menor condição de formular uma opinião a respeito, com base no que vem sendo publicado.
A imprensa ainda está devendo uma abordagem ampla e contextualizada da questão energética, da qual a usina de Belo Monte é apenas um detalhe.
Esse detalhe pode ser crucial para algumas comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu, mas não resume o assunto.
A questão que a imprensa ainda não explicou é: precisamos da usina? Por que?
Falta continuidade
A falta de uma abordagem mais satisfatória sobre a questão da energia necessária para mover o desenvolvimento nacional também mostra que os jornais esquecem até mesmo o que publicaram.
No material de arquivo sobre Belo Monte pode-se encontrar alguns registros da imprensa sobre consultas às comunidades da região, motivo da manifestação da OEA.
Mas não se trata apenas de registrar.
O que falta é uma continuidade no noticiário, que permita ao leitor acompanhar e entender o assunto.
Um exemplo claro de como o noticiário vem fragmentado e insuficiente: basta lembrar que, na crise que paralisou as obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, a imprensa limitou-se a relatar os conflitos trabalhistas e deixou passar a oportunidade para discutir a questão ambiental e a conveniência do projeto do complexo hidrelétrico naquela região.
Há muitos questionamentos de especialistas sobre essa decisão do governo, que considera essas obras como essenciais na engrenagem de infraestrutura que está sendo montada para dar suporte ao crescimento econômico do País.
Nesta quinta-feira (7/4), noticia-se que a revolta em Jirau vai atrasar a obra em seis meses e pode causar prejuizos de até R$ 275 milhões aos cofres públicos.
Mais uma vez, trata-se de uma nota isolada que não remete à totalidade do problema.
Em outras frações de notícia, o leitor fica sabendo que o sistema portuário pode entrar em colapso diante do grande crescimento da economia, se não houver obras aceleradas, e que o governo orientou os ministros para não entrar na polêmica sobre o projeto de flexibilização do Código Florestal.
Ao mesmo tempo, o leitor é informado de que o governo convocou os ministros para discutir mudanças na proposta defendida pela bancada ruralista.
No meio de tudo isso, informa-se que o desmatamento na Amazônia voltou a cair.
Ou seja: o Brasil precisa urgentemente produzir energia, construir estradas e ferrovias, ampliar portos e aeroportos, aumentar a produtividade e a produção agrícola e ao mesmo tempo reduzir as emissões de gases do efeito estufa e proteger o maior patrimônio ambiental do planeta.
Sem uma conexão entre esses temas, cada reportagem é um barulho a mais na confusão geral.
Durma-se com tanto ruído!