Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O futebol como negócio

Já faz muito tempo que o futebol é mundialmente encarado como negócio. Porém, nesse quesito, há uma grande diferença entre o Brasil e a Europa, por exemplo. Refiro-me ao papel exercido pela ‘toda poderosa’ Rede Globo de Televisão neste esporte tão importante para a cultura nacional.

Há estimativas de que, no Brasil, em média 70% da receita dos times venha dos direitos de transmissão vendidos às grandes redes de TV, enquanto na Inglaterra esse número fica em cerca de 25% e na Itália 39%. A principal razão disso é que na Europa os clubes conseguem lucrar consideravelmente com ingressos, venda de material esportivo personalizado e outras atividades comerciais. Não pretendo com isso dizer que apenas no Brasil o futebol é um ‘telespetáculo’, mas sim, apontar a dependência criada entre os clubes e os canais de TV e o poder de definição que estes últimos ganham sobre os primeiros.

Por estes dias, nos está sendo permitido assistir – por canais alternativos, já que a principal atriz do espetáculo, a Globo, se recusa a falar sobre o assunto – negociações envolvendo cifras milionárias pelos direitos de transmissão do futebol nacional. Para se ter uma ideia do tamanho do negócio, estima-se que será pago pela Rede Globo algo em torno de 110 milhões de reais por ano para apenas um clube (Corinthians) na participação de um único campeonato (Brasileiro), fora os outros times, que também provavelmente negociarão à parte, já que dessa forma conseguem mais dinheiro do que o oferecido pelo Clube dos 13.

‘Identidades formadas e transformadas’

Justificativa possível de tamanho investimento na aquisição dos direitos de transmissão do futebol é o gosto do brasileiro por este esporte, não criado, mas largamente trabalhado e incentivado pela mídia, e o consequente retorno publicitário gerado pela associação de marcas privadas ao esporte favorito da nação.

A lógica exposta acima não é nova, mas explica, em parte, o apelo tão grande das emissoras de TV na veiculação do futebol. Na última Copa do Mundo, por exemplo, no Jornal Nacional, um dos principais meios de informação de milhões de brasileiros, o tema chegou a ocupar sozinho quase 80% do tempo do programa, fazendo parecer que durante o Mundial mais nada acontecia no país.

Puxando essa discussão um pouco para o campo teórico, no livro A identidade cultural na pós-modernidade Stuart Hall, defende que, ‘as identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação‘ e depois explica que ‘uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. […] As culturas nacionais, ao produzirem sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades’.

TV brinca com a paixão que ajuda a construir

Seguindo por essa seara, é possível sugerir que o alto apelo do futebol na mídia e a construção de uma ‘comunidade imaginada’ de brasileiros, onde não há espaço para outros assuntos que não o futebol (especialmente em época de Copa do Mundo), serve como construção política de uma identidade nacional, necessária para a manutenção do esporte enquanto combustível do sistema capitalista.

O problema disso tudo é que, apesar do alto apelo e exploração da imagem do futebol, o torcedor, aquele que gosta mesmo do esporte, acaba sendo punido. Ao participar do jogo como principal fonte de renda dos clubes, a televisão, se por um lado trabalha como grande incentivadora do gosto pelo futebol, por outro, escolhe os horários dos jogos – geralmente péssimos para quem deseja ir aos estádios, como jogos durante a semana com início às dez da noite –, ignora vários clubes, dando prioridade apenas aos de maior torcida, transmite para alguns estados, majoritariamente jogos de times cariocas e não das equipes locais, compra determinado evento esportivo apenas para tirar a possibilidade da emissora concorrente transmitir e consequentemente o torcedor poder assistir, ou seja, brinca com a paixão de um povo que ela própria ajuda a construir.

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Jornalista e mestrando em Comunicação, São Paulo, SP