Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Abert rides again

Na edição nº 518 deste Observatório, de 29 de dezembro de 2008, terminei o artigo ‘A Voz do Brasil: o programa fica como está‘ com a seguinte observação:




‘Além de reivindicação de `determinados setores do empresariado da comunicação´, o projeto de flexibilização do horário do programa Voz do Brasil foi, na verdade, o primeiro teste legislativo, embora indireto, da nova tese jurídica que desobriga o sistema privado de radiodifusão de servir ao interesse público. E foi derrotado.


Se considerarmos, no entanto, que se trata de bandeira encampada pela mais poderosa associação de empresários de radiodifusão do país, a Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão], devemos esperar que tanto a `flexibilização´ quanto o novo conceito jurídico retornarão em outros projetos de lei. É assim que tem sido e é assim que continuará a ser quando se trata dos interesses do sistema privado de radiodifusão no país.’


Não deu outra. Menos de dois anos depois, longa matéria na revista Época – do grupo Globo – sobre a emissora, edição nº 633, de 3/7/2010, sob o título ‘Um programa fora de sintonia’, informa:




‘A Abert iniciou uma mobilização nacional para que os candidatos ao Congresso Nacional e à Presidência da República se comprometam com regras menos rígidas para a transmissão de A Voz do Brasil. `Nós não queremos o fim do programa. Mas queremos que as rádios possam ter flexibilidade para montar sua programação´, diz Daniel Slaviero, presidente da Abert’.


Manobras regimentais


Na verdade, o projeto que foi arquivado na Câmara em 2008 era um de muitos sobre o mesmo tema que tramitam no Congresso Nacional. As incontáveis manobras regimentais permitem que ressurjam das cinzas propostas já derrotadas, mas patrocinadas por lobbies poderosos. É exatamente o que aconteceu.


No início do mês de junho foi apresentado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCTICI) do Senado Federal um parecer, da lavra do senador Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior (DEM-BA), sobre seis projetos – um da Câmara e cinco do Senado – que tratam da ‘flexibilização’ do horário de transmissão do programa A Voz do Brasil. O parecer, por óbvio, é favorável e, na análise que oferece do mérito das propostas, argumenta:




‘Em nosso entendimento, o caminho da flexibilização de horário traz duplo benefício. Atende-se, de fato, a dois reclamos já antigos. Primeiro, o da falta de liberdade das emissoras, que perdem audiência e receita no horário compreendido entre as 19 e 20 horas, horário tradicional do programa oficial. Segundo, da falta de opção dos ouvintes, que se vêem obrigados a acompanhar a programação ou a desligar seus aparelhos nesse horário. Com a flexibilização do horário, sempre haverá alguma programação radiofônica alternativa no horário, com o ganho adicional de se poder acompanhar o programa oficial em momento a ser anunciado pelas emissoras aos seus ouvintes’ [ver íntegra aqui].


O parecer e o PLC 109/06, original da deputada Perpétua Almeida (PCdoB- AC), foram aprovados na 25ª Reunião Extraordinária da CCTICI do Senado, realizada na quarta-feira (7/7). Agora o projeto irá a plenário e, se aprovado, terá que voltar à Câmara dos Deputados.


Questão de princípio


Na página do senador ACM Júnior, disponível no site do Senado Federal, está escrito:




‘Empresário bem sucedido, a partir de 1994 assumiu a presidência das empresas que, por sua liderança e perfil estrategista, viriam dar origem, em 1998, à Rede Bahia de Comunicação, o maior grupo de comunicação do Norte-Nordeste do país, um conglomerado de empresas que atuam [sic] nos segmentos de mídia eletrônica, mídia impressa, TV por assinatura, entretenimento e conteúdo, soluções para Internet e construção civil’ [ver aqui].


Seu parecer, portanto, não representa qualquer surpresa. Ele chama de ‘falta de liberdade’ uma das razões pelas quais os radiodifusores privados – e/ou os políticos no exercício de mandato que são concessionários – sempre desejaram a ‘flexibilização’ do programa A Voz do Brasil: a perda de receita comercial no horário do programa.


Mas o que está, na verdade, em jogo é a natureza de serviço público da radiodifusão (ver, neste Observatório, ‘Novo conceito jurídico para sistema privado de TV‘). A Abert defende a tese de que ‘os concessionários comerciais não precisam atender todo o público, uma vez que pertencem ao sistema privado’. Vale dizer, aqueles que teriam responsabilidades com o atendimento do ‘interesse público’ são os sistemas público e estatal; o sistema privado atende aos seus próprios interesses e, claro, aos interesses do mercado.


É esse o princípio que está de fato em jogo – embora de forma não explícita – quando se avança no sentido da chamada ‘flexibilização’ do horário de transmissão do programa A Voz do Brasil.


 


Leia também


Voz do Brasil e o Papai Noel – Laurindo Lalo Leal Filho [Agência Carta Maior]


Amordaçada pela obrigatoriedade – Eugênio Bucci


Projeto flexibiliza horário do programa – Fábio Fabrini

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Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher,2010.