A bola queimou para a TV Cultura, com as demissões dos jornalistas Heródoto Barbeiro e Gabriel Priolli. Explicações complicadas terão que ser dadas pelo candidato à presidência José Serra – acusado de ter pedido a cabeça dos jornalistas – e pelo vice-presidente de conteúdo da emissora, Fernando Vieira de Mello, recém-chegado por lá, após ter sido afastado da Band.
Como já é amplamente sabido, as duas demissões supostamente têm na base questionamentos feitos pelos jornalistas ao alto preço dos pedágios nas estradas de São Paulo – Barbeiro no Roda Viva, onde Serra considerou a questão um ‘trololó petista’; Priolli em reportagem para o Jornal da Cultura, e que sequer estava editada.
Barbeiro era um nome importante do jornalismo da Cultura havia muitos anos; foi editor, repórter, apresentador e âncora. Priolli teve várias passagens pela emissora, mas tornou-se diretor do Jornalismo apenas cinco dias antes de ser demitido. É possivelmente um recorde mundial, que deixa para a TV Cultura uma questão que ela tem que responder com urgência: ou o novo diretor de Jornalismo, que a emissora conhecia bem em várias outras funções, demonstrou uma inadequação meteórica para o cargo, ou a emissora cedeu mesmo, como escreveram Luis Nassif e outros jornalistas, às exigências do candidato tucano.
Diálogo de répteis
Se isso não é envaidecedor para José Serra, é muito menos para a emissora. Menos ainda para a utopia de se construir uma televisão pública livre no Brasil. O incidente deixa a TV Cultura numa situação visivelmente constrangedora, mas impacta enormemente o debate que vinha acontecendo – especialmente desde a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – sobre a possibilidade de sobrevivência do jornalismo independente numa televisão pública.
A principal razão para isso é que a própria Cultura vinha ironicamente sendo apontada como um modelo bem sucedido dessa possibilidade. Isso em oposição à EBC, que como empresa alegadamente ainda não conseguiu decolar, cujo jornalismo foi esfacelado há tempos, onde essa história de independência é uma balela.
Em vista do experimentado pela EBC – e à luz do que acontece neste momento na TV Cultura –, televisão pública e jornalismo independente parecem ser no Brasil expressões mutuamente excludentes. Mas se o jornalismo não é independente numa televisão pública, não ofenderá perguntar:
– A quem interessa, então, uma televisão pública, e por que os governos investem tanto dinheiro nelas?
A possibilidade de construção de uma televisão pública livre, original e relevante é inversamente proporcional ao nível de promiscuidade que possa existir entre governos e seus partidos e os mecanismos de gestão dessas emissoras. Se for comprovado que o PSDB demitiu dois jornalistas da Cultura por terem feito perguntas sobre os pedágios das estradas paulistas, isso autorizará a EBC a afastar quem se posicione criticamente a qualquer ação do governo Lula. Tal quadro estaria alguns pontos abaixo de um diálogo de répteis – subvencionado pelo dinheiro da sociedade brasileira.
Fundo do poço
A sociedade tem que saber imediatamente se Heródoto Barbeiro e Gabriel Priolli foram de fato demitidos por ordem de José Serra. Se não, por que o foram, que tipo de erros contundentes ambos cometeram – até porque são nomes conhecidos pelo público e respeitados no ambiente profissional.
A sociedade tem também que saber quem está ganhando dinheiro público nas emissoras públicas para não lutar por sua independência e, pelo contrário, torná-las mais e mais subservientes aos interesses dos políticos.
Relações promíscuas com vários setores estão no DNA de muitos políticos – não refiro a qualquer um em especial – e isso talvez não possa ser combatido com tanta facilidade. Mas ‘laranjas’ que são postos nas televisões públicas que o povo está pagando – e que as colocam a serviço do atraso, que as lançam ostensivamente no descrédito público –, estes devem ser combatidos e denunciados por quem quer que defenda a possibilidade de uma imprensa equilibrada, de uma televisão pública independente e voltada para o interesse público.
Ser conivente com isso é jogar a televisão brasileira no fundo do poço, é trair os mais elementares ideais libertários.
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Em Tempo [incluído às 14h40 de 12/7]: A propósito do texto acima, recebi telefonema do ministro Franklin Martins nesta segunda-feira (12/7), por volta das 13h. O ministro sustenta que ‘o jornalismo da TV Brasil não está esfacelado’ e ‘essa história de independência não é uma balela’; que, do ponto de vista da EBC, ‘ televisão pública e jornalismo independente não são expressões mutuamente excludentes’; que restrições à liberdade de expressão ‘seriam evitadas na EBC pelo Conselho Curador’; e que ‘a EBC não afastaria quem se posicionasse criticamente em relação ao governo Lula’. (N.H.)
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ENTRE ASPAS
Sayad nega ingerência política na TV Cultura
Sonia Racy e Jotabê Medeiros # reproduzido de O Estado de S.Paulo, 12/7/2010
O presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, negou ontem [domingo, 11/7] ter havido motivação política no afastamento de Gabriel Priolli da Diretoria de Jornalismo da TV Cultura. Ele alegou que Priolli não tinha o perfil adequado para o cargo na emissora, gerida pela fundação.
‘Foi uma escolha equivocada’, afirmou Sayad. Jornalista experiente, com passagem por alguns dos principais jornais e televisões do Brasil, Priolli trabalha para a TV Cultura há mais de uma década e permaneceu apenas uma semana no cargo.
Seu afastamento alimentou a suspeita de ingerência política na emissora pública ligada ao governo de São Paulo. Segundo versão amplificada pela internet, Priolli foi afastado do posto por orientar a produção de uma reportagem sobre as tarifas de pedágio nas estradas estaduais, tema abordado com insistência pela campanha do PT ao governo paulista.
O jornalista preferiu não se manifestar sobre o episódio: ‘Vou manter silêncio, pois ainda sou funcionário da TV Cultura’. O destino de Priolli dentro da emissora deve ser definido hoje, em reunião com o vice-presidente da fundação, Ronaldo Bianchi. Tanto a nomeação quanto a destituição de Priolli foram comunicadas a ele pelo diretor de Conteúdo da TV Cultura, Fernando Vieira de Mello.
O seção paulista do PT anunciou que vai pedir ao Ministério Público Eleitoral que investigue o afastamento de Priolli. O candidato do partido ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, foi entrevistado para a reportagem sobre pedágios, assim como o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.
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Pedágio na Cultura
Fernando de Barros e Silva # reproduzido da Folha de S.Paulo, 12/7/2010
Começou mal, muito mal, a gestão de João Sayad à frente da TV Cultura de São Paulo.
Na quarta-feira da última semana, confeccionava-se, para o jornal noturno da emissora, uma reportagem sobre os pedágios paulistas, aos quais o próprio candidato tucano ao governo, Geraldo Alckmin, havia feito reparos. No início da noite, o diretor de jornalismo da TV Cultura, Gabriel Priolli, foi chamado à sala de Fernando Vieira de Mello, vice-presidente de conteúdo.
Ali ouviu a bronca: a TV não poderia se ocupar de assunto tão delicado sem o seu conhecimento prévio. Vieira de Mello ecoava um protesto que tinha origem em algum escaninho da burocracia tucana.
A reportagem não foi ao ar naquela noite. E Priolli foi afastado de suas funções na tarde de quinta-feira. Durou uma semana no cargo.
Consta que a reportagem sobre os pedágios foi exibida na noite de sexta, feriadão de 9 de julho. E alega-se que foi derrubada na antevéspera porque estava ‘mal feita’. Ninguém deve ter visto o resultado final. Como quase ninguém teria visto se fosse exibida na quarta.
A verdade é que a Cultura é uma TV mais lida do que assistida. Os próprios conselheiros da Fundação Padre Anchieta acompanham a emissora pela imprensa.
A saída de Heródoto Barbeiro do ‘Roda Viva’ nada tem a ver com a pergunta que ele fez no programa a José Serra uma semana antes -justamente sobre pedágios. A sua substituição por Marília Gabriela já estava acertada pela direção. Mas, ao enviar Priolli para a Sibéria, os tucanos conseguiram transformar uma mentira em algo verossímil.
O episódio escancara a ingerência política do tucanato na TV pública de São Paulo. Quando uma reportagem sobre pedágios vira questão de Estado, então é melhor fechar o departamento de jornalismo e exibir ‘Cocoricó’, onde ao menos as crianças são levadas a sério.
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Diretor de jornalismo da Cultura é afastado
Ana Paula Sousa # reproduzido da Folha de S.Paulo, 10/7/2010
Após uma semana no posto, o jornalista Gabriel Priolli deixou de ser diretor de jornalismo da TV Cultura. A decisão, tomada pelo jornalista Fernando Vieira de Mello, vice-presidente de conteúdo da emissora, alimentou boatos a respeito da ingerência política sobre o canal.
No final da tarde de quinta-feira [8/7], Mello chamou Priolli à sua sala para comunicá-lo do afastamento. Priolli, que já era funcionário da Cultura, disse, à Folha, que preferia não falar sobre o episódio.
Nos corredores da emissora e na blogosfera, circula a informação de que, por trás da saída de Priolli, está uma reportagem sobre problemas e aumento nos pedágios.
A reportagem teria sido ‘derrubada’ – jargão para o que não é veiculado – por Mello. ‘A reportagem não foi ao ar na quarta-feira por uma razão simples: não estava pronta’, diz Mello.
‘Eram ouvidos só [Geraldo] Alckmin e [Aloísio] Mercadante. Em período eleitoral, somos obrigados a ouvir todos os candidatos. Foi isso que fizemos’, acrescenta.
De acordo com ele, o material iria ao ar ontem [9/7] à noite, no Jornal da Cultura.
Dias antes, outra dança de cadeiras originou rumores sobre a influência do governo estadual sobre a TV.
Segundo estes, Heródoto Barbeiro teria sido substituído por Marília Gabriela no Roda Viva por ter feito uma pergunta incômoda a Serra.
A TV atrela a mudança à busca de uma ‘nova cara’ para o canal. Mello observa, ainda, que nem Priolli nem Barbeiro foram demitidos. Ambos devem assumir novas posições na emissora.
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Jornalista, cineasta, diretor de TV