Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um só ponto de vista

Em entrevista à revista Caros Amigos numero 100, de julho de 2005, página 32, o governador do Paraná, Roberto Requião, relata um fato envolvendo a jornalista Miriam Leitão, da Rede Globo, que afirmara que a proibição de exportação de soja transgênica pelo Porto de Paranaguá causaria prejuízo de 600 milhões de toneladas ao porto. Imediatamente o governador ligou para a Globo dizendo que a produção mundial de soja é de 160 milhões de toneladas, e pedindo a correção dos dados. A Globo, porém, recusou-se a corrigir. O governador então usou a televisão estatal do Paraná: durante 45 dias, 10 vezes ao dia, colocou no ar a correção.

Estranha esta atitude da Globo. Erros de escala são comuns em jornais e revistas e na televisão. (Quem conhece um pouco de astronomia já reparou que é comum, nas notícias sobre a descoberta de algum novo corpo celeste, confundirem-se as distâncias, trocando bilhões de quilômetros por milhões.) E seria normal uma retificação no ar sobre o erro. Se algum leitor deste Observatório digitar a palavra ‘Monsanto’ em algum site de busca ficará impressionado com a quantidade de notícias e artigos desfavoráveis à soja transgênica produzida por ela e também à postura da própria empresa.

Também é digno de nota o fato de que hoje o Brasil produz uma soja quase orgânica, devido às pesquisas da Embrapa, especialmente da pesquisadora já falecida Johanna Döbereiner, que nos anos 60 provou a viabilidade da fixação biológica do nitrogênio na soja, seguindo um caminho oposto ao dos Estados Unidos, que apostaram na adubação química nitrogenada. Com isso o Brasil consegue hoje um custo menor de produção na soja, devido à dispensa do uso de fertilizantes nitrogenados e ao combate biológico de pragas e doenças.

Sem discussão democrática

O único fator que impede que nossa soja seja 100% orgânica é o uso de herbicidas – justamente o carro-chefe da Monsanto. Os agricultores que praticam agricultura 100% orgânica, certificada por entidades independentes, utilizam variedades de soja de crescimento precoce, que ‘fecham’ logo o terreno, abafando o crescimento de plantas concorrentes e dispensando o uso de herbicidas. Mas a Embrapa é um órgão publico, não sei se pode fazer uma opção preferencial pela agricultura orgânica. De qualquer forma, a soja é hoje a cultura mais próxima de dispensar completamente o uso de insumos químicos prejudiciais ao meio ambiente. Portanto, há alternativas viáveis ao monopólio da Monsanto.

Mas, ao que parece, estamos vivendo um tempo em que alguns formadores de opinião gostam de fazer terrorismo ideológico do tipo ‘temos de fazer isto, senão seremos excluídos; temos de fazer aquilo, senão estaremos fora’.

O comercio é uma das atividades mais antigas da Humanidade, tendo a idade da própria civilização. Antigamente era realizado de forma muito simples – o que você tem de que eu preciso e o que eu tenho de que você precisa, e se tentava chegar a um preço justo ou viável para ambas as partes. Hoje, porém, é alardeado que, sem pertencer a um bloco econômico, o comércio é impossível, mas de preferência que este bloco não seja o Mercosul, e sim a Alca.

O Brasil obteve vitórias significativas na OMC, inclusive em demandas a respeito do algodão americano, uma derrota dolorosa para os Estados Unidos, e nem por isso eles nos declararam guerra. Mas os interesses de uma multinacional monopolista não podem ser minimamente contrariados, sequer uma das mais influentes comentaristas econômicas do país pode levar em conta outros pontos de vista.

É uma estranha atitude, dando a entender que não é possível uma discussão democrática, mas só interessa um ponto de vista.

******

Programador, Batatais, SP