Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crítica Interna


’19/09/2005


Achei precipitada e temerária a manchete da Folha de DOMINGO, ‘PF busca elo entre doleiro de Collor e PT’. Precipitada, porque fica claro que é apenas uma hipótese levantada pela PF numa investigação incipiente e inconclusa. Tanto que o jornal recorre ao condicional (seria, teria) e a recursos como ‘busca’, ‘investiga possível ligação’, ‘pode’ etc E temerária, porque associa de cara Collor e PT quando a PF ainda trabalha para provar o elo entre Turner e Marcos Valério. O ‘Globo’ tinha informações parecidas mas foi mais cauteloso: ‘CPI liga Valério a esquema de lavagem de dinheiro’ e ‘Corretor e empresa em operações sob suspeita’. As novas suspeitas, tão importantes a ponto de bancarem a manchete de domingo, desapareceram na edição de hoje da Folha. São critérios incompreensíveis e que impedem o leitor de avaliar o peso real das acusações que surgem.


O jornal começou a rodar a edição de hoje, SEGUNDA-FEIRA, com uma capa e depois, na Edição São Paulo, a alterou completamente. Não entendi a lógica das mudanças feitas. A nova diagramação não se justifica pela manchete, que é a mesma (‘Severino prepara renúncia para quarta’), nem pelas outras chamadas, todas iguais. A única alteração de fato é a exclusão da foto de Maria Paola Del Carlo, a primeira portadora de Down a se aposentar, que estava no alto da capa da Ed. Nacional e ficou de fora na Ed. SP. O jornal avalia que errou ao iniciar a rodagem com a foto de Del Carlo?


A evolução das manchetes dos jornais: Folha: ‘PF pede quebra de sigilos de Severino’ (sábado), ‘PF busca elo entre doleiro de Collor e PT’ (domingo) e ‘Severino prepara discurso para renunciar na quarta’ (2ª). ‘Estado’: ‘PF vê indício de crime e Severino fala em licença’ (sáb.), ‘Contas mostram farra do PT com o Fundo Partidário’ (dom.) e ‘Lula não vota na eleição do PT’ (2ª). ‘Globo’ – ‘Há indícios veementes de crimes de Severino, diz PF’ (sáb.), ‘Baixo clero perde o poder com fracasso de Severino’ (dom.) e ‘Lula falta a eleições no PT, marcadas por denúncias’ (2ª).


E as revistas: ‘Veja’ – ‘…Era vidro e se quebrou’ (a propósito do PT). ‘Época’ – ‘Até onde vai a faxina’. ‘IstoÉ’ – ‘O supermensalão de Janene – R$ 7.784.636,07’. ‘Carta Capital’ – ‘A nação apática ainda vai despertar’ (entrevista com João Pedro Stédile).


DOMINGO


Escândalo do ‘mensalão’


Um caso que não tenho entendido direito na cobertura da Folha sobre o ‘mensalão’ é o noticiário sobre os fundos de pensão, o governo Lula e o Opportunity de Daniel Dantas. Neste domingo voltei a ter a mesma dúvida que me ocorreu em reportagem anterior: se as cartas e e-mails são do próprio Daniel Dantas e do Citibank que a ele era associado, como podem servir de prova em relação às intenções ou às ações do governo? Se fossem e-mails de membros do próprio governo ou outros documentos governamentais teriam outro peso. Veja este trecho: ‘Nas correspondências, de maio de 2003, anexadas por advogados de Dantas a processo que corre na Justiça americana, o dono do Opportunity conta como o então ministro José Dirceu (Casa Civil) e o presidente do Banco do Brasil na época, Cássio Casseb, foram escalados para pressioná-lo a deixar o controle da Brasil Telecom’. A prova que o banqueiro apresenta para a Justiça são mensagens que ele mesmo enviou com considerações sobre uma das partes com a qual tem contencioso. Em tese, ele poderia escrever o que quisesse. Apresentar como prova, é direito dele. Agora, o jornal editar sem qualquer questionamento me parece errado. O título da reportagem da Folha já é estranho: ‘Cartas sinalizam que Palocci participava de decisões de fundos’ (pág. A6). Sinalizam? O que quer dizer isso em direito ou em jornalismo? Ele participava ou não participava de decisões de fundos de pensão?


O perfil do empresário Sebastião Buani (‘Buani revê pretensão de se candidatar’, pág. A12) está bem apurado e bem escrito, mas peca por um aspecto importante: ele corrompeu ou não corrompeu? O questionamento sobre o comportamento do empresário está sem destaque, no pé da reportagem. Se Severino foi corrompido, e deve ser cassado por isso se não renunciar antes, o empresário foi o corruptor. O que a PF ou o MP tem a dizer sobre isso? Como provar se houve corrupção ou extorsão? Ele poderá ser candidato?


Na mesma página A12, o título ‘Reajuste aprovado por Severino foi de 141%’ não é o correto. O ponto não é o valor do aumento dos preços. O que a reportagem tenta mostrar é que, ao contrário do que afirma o empresário Augusto Buani, as propinas pagas não foram para renovar o contrato do restaurante com a Câmara, mas para obter permissão para aumentar os preços no cardápio. Assim, o título correto deveria ser algo que indicasse que a negociação (que resultou na propina) foi por aumento de preços e não para a renovação do contrato.


Panorâmicas


Nota da página A13 da Edição Nacional de domingo informa que ‘PF apreende R$ 500 mil em carro de presos por tráfico’. Tive a impressão que ouvi na TV que a quantia apreendida foi em dólar e euros e o valor em reais é muito maior do que o que está na Folha. A verificar.


Na Edição São Paulo, a nota foi substituída por outra mal apurada, mal redigida e mal editada: ‘Lutador Ryan Gracie é acusado de agredir policial – A confusão começou quando Ryan Gracie foi abordado por policiais do GOE (Grupo de Operações Especiais) por dirigir embriagado e em alta velocidade. Na delegacia, Gracie teria tentado fugir. Ao tentar impedi-lo, um policial teria recebido uma cabeçada no rosto. Outros três policiais também teriam sido agredidos’. Onde aconteceu a tal confusão? Quem é Ryan Gracie para merecer uma nota na Folha de domingo? Os fatos aconteceram ou não aconteceram? Por que tudo está no condicional?


SEGUNDA


Escândalo do ‘mensalão’ Está boa a cobertura que o jornal fez da eleição para a presidência do PT em SP, ‘PT utiliza voto de cabresto em eleições diretas no país’ (A9). O jornal flagra vários casos que sustentam a reportagem e há um trabalho de edição no texto principal. O mesmo trabalho testemunhal poderia ter sido feito em outras cidades e valorizado pelo jornal. Acho que o jornal deu pouca importância para a ausência de Lula na votação.


Ficou pobre e desinteressante a cobertura e a edição do debate ‘Reforma política e eleitoral’ promovido pela Folha. O jornal perdeu uma boa oportunidade para aprofundar a discussão e torná-la palatável e mais visível.


Diplomacia


O ‘Estado’ confirma a visita de Bush ao Brasil com detalhes. Será nos dias 5 e 6 de novembro.


Ciência


O material sobre paleontologia exigia uma remissão da página A19 para a página A20 e uma abertura mais contextualizada para o texto da página A20 (‘Lagoa criada na fase de mineração tem poluição com metal’). Muitos leitores começam a leitura pela contracapa.


Cotidiano


Não tem pauta mais conhecida e repetida do que a dos tours pelas favelas do Rio. Tudo bem, é um certo exagero meu. Mas o assunto já está batidíssimo. Não consegui entender por que o jornal gastou uma página com ele, ainda mais com um título – ‘Operadoras fazem passeio em favelas do Rio para estrangeiro’ – sem qualquer novidade.


16/09/2005


Os jornais têm muitas informações, mas as manchetes são fracas: Folha – ‘Câmara dá mais prazo a acusados do ‘mensalão’. ‘Estado’ – ‘Dirceu ganha liminar e mais cassáveis recorrem ao STF’. ‘Globo’ – ‘Severino deve sair até terça e Câmara enfrenta impasse’.


O jornal investe, no caderno ‘Cotidiano’, na história do bandido Pedro Dom, assassinado ontem no Rio. Mas a chamada na primeira página é para a apreensão de cocaína (‘Polícia apreende cocaína em peças de carne no Rio’). Embora a notícia da apreensão seja realmente importante pelo volume (duas toneladas) e pelas prisões (de empresários), a não correspondência interna fica estranha.


Escândalo do ‘mensalão’


A legenda de uma das fotos da página A6 informa que José Dirceu conversa com ‘deputados’. Mas quem aparece conversando com ele é o seu suplente, Ricardo Zarattini, que ainda não é deputado empossado.


A rejeição, pela CPI dos Correios, da convocação do irmão do ministro Antonio Palocci tem um bastidor que a reportagem da Folha não informa. O ‘Painel’ menciona que o ministro ‘reagiu mal’ diante da perspectiva de ver seu irmão convocado, mas não tem detalhes. Segundo o ‘Estado’, o ministro ameaçou deixar o governo.


‘Cotidiano’


Os jornais não economizam adjetivos e epítetos para o bandido Pedro Machado Lomba Neto, o Pedro Dom, morto ontem pela polícia. ‘Bandido de classe média’, ‘ladrão número 1 do Rio’, ‘maior ladrão do Rio’. Segundo a Folha, ele foi ‘batizado como ‘ladrão fashion’. Batizado por quem? Pela polícia? Pelas vítimas? Pelo próprio jornal? É a criação do mito. Há sempre uma sensação de exagero nestas coberturas de ações policiais fantásticas. Como nunca há testemunhas, tudo é sempre heróico. A manchete interna da Folha vai na onda: ‘ ‘Ladrão fashion’ morre em fuga espetacular’. Até os jornais de banca do Rio foram mais comedidos: ‘Quatro tiros põem fim a Pedro Dom’ (‘Extra’) e ‘Polícia mata Pedro Dom’ (‘O Dia’). É até possível que o bandido tenha sido o maior ladrão do Rio, como diz a polícia e repete a imprensa. Mas a manchete dúbia do ‘Globo’ foge do jornalismo: ‘O fim do terror da classe média’. O terror no Rio está longe do fim para qualquer classe.


14/09/2005


Folha e ‘Globo’ tratam das cassações em suas manchetes. A do ‘Globo’ – ‘Pedida cassação de Severino; Jefferson vai ser julgado hoje’ – é mais completa do que a da Folha – ‘Cinco partidos pedem a cassação de Severino’ O ‘Estado’ preferiu destacar a pesquisa CNT/Sensus: ‘Crise derruba aprovação e imagem de Lula’. Na Folha, a pesquisa teve edição discreta.


Escândalo do ‘mensalão’


Não sei se é um problema da pesquisa CNT/Sensus ou da edição da Folha (e dos outros jornais que consultei), mas não dá para entender por que não há, entre as hipóteses de cenários para o segundo turno da eleição presidencial de 2006, um que confronte Lula e Garotinho. O ex-governador do Rio aparece em segundo lugar em quase todos os cenários para o primeiro turno, mas só há registro na Folha para os confrontos entre Lula e possíveis candidatos do PSDB. O ‘Estado’ traz até uma simulação com a senadora Heloísa Helena, mas Garotinho também é ignorado.


Folha e ‘Estado’ estão certos ao conceder espaço para a defesa do deputado Roberto Jefferson, que poderá ser cassado hoje. A defesa foi feita pela filha de Jefferson: na Folha, através de um artigo; no ‘Estado’, através de entrevista. Este princípio deve valer para todos os acusados.


Nariz-de-cera na abertura do texto ‘Bolsonaro leva à CPI militar que prendeu petista’ (pág. A7): ‘O depoimento de José Genoino à CPI do Mensalão foi marcado por acontecimentos inesperados’.


Caso Maluf


Não é verdade que Paulo Maluf e o filho estejam presos na carceragem da Polícia Federal desde a madrugada de sábado, como está na abertura do texto ‘Pai e filho vão para cela comum’ (pág. A15). Apenas Maluf pai está preso desde a madrugada de sábado. O filho foi preso na manhã daquele dia.


As reportagens ‘Pai e filho vão para cela comum’ e ‘Juíza determina à PF igualdade de tratamento’ (A15) se completam e deveriam ter sido editadas em uma mesma reportagem. Pouparia o leitor e evitaria a redundância.


A Folha não registrou a reportagem do ‘Le Monde’ que usa, no título sobre a prisão dos Maluf, o verbo ‘malufar’ como sinônimo de roubo. Li no ‘Globo’ e no ‘Estado’.


Incêndio criminoso


Sumiu, na Folha de hoje, o noticiário sobre o incêndio do ‘Diário de Marília’ e de duas rádios. Segundo o ‘Estado’, ‘Acusado de pôr fogo em jornal, filho de secretário foge’.


O perigo fica ao lado


A notícia sobre o apartamento atingido por um ‘prego perdido’ (pág. C3 da Ed. Nac. e C6 da Ed. SP) deveria ter consultado um especialista para saber a velocidade que a pistola arremessa o prego e para calcular o impacto que teria se atingisse o aeronauta.


Edição de terça


O jogador Petkovic, do Fluminense, líder isolado do Campeonato Brasileiro, é sérvio, e não croata, como saiu na coluna ‘Verdades e mentiras’ (pág. A2).


Continua uma confusão só a história da participação do repórter César Tralli, da TV Globo, na prisão de Flávio Maluf. Na Edição Nacional de ontem, o jornal informou que ele estava com um boné preto, colete e calça beges e óculos escuros (‘Advogado reclamará de ação de repórter’, pág. A13), mas a foto que ilustra a reportagem mostra que a calça era preta.


Aviso


Participo amanhã, quinta-feira, em São Paulo, da reunião da Comissão Julgadora do Prêmio Folha. Por esta razão, não haverá a Crítica Interna.’