Quando alguém é engraçado, conta piadas sobre o pão-durismo de judeus e árabes, sobre as peculiaridades dos portugueses, sobre hábitos atribuídos aos gaúchos, todo mundo ri e ninguém se ofende. Quando alguém não é engraçado, não deve se meter a fazer graça: corre o risco de errar a mão e fazer humor pesado, agressivo, ofensivo.
Um canal esportivo da TV brasileira ultrapassou a linha: ao tentar fazer humor sobre o Paraguai – cuja seleção brilhou como nunca nesta Copa do Mundo – foi apenas grosseiro. Falava de lindas paisagens e mostrava imagens de péssimas estradas de terra, elogiava a alta gastronomia e mostrava restaurantes de baixa qualidade, coisas desse tipo – como se fossem características do Paraguai, e não de tantos outros países do mundo, inclusive este nosso. Um pouco de música brega, como se aqui só houvesse compositores e cantores do nível de Tom Jobim e Chico Buarque. Larissa Riquelme, a bela ‘noiva da Copa’? Não: mulheres bem mais velhas, bem menos cuidadas, com muito mais peso. Mais ou menos como aquele besteirol americano sobre o mito das mulheres bonitas na praia brasileira (em que a mais feia de todas, por acaso, era uma turista). Os paraguaios se ofenderam, a TV brasileira pediu desculpas, mas não há desculpas: a arrogância, a prepotência que orientaram o filme não tinham nem a contrapartida do talento. [Ver, neste Observatório, ‘Paraguai, grosseria e preconceito‘.]
No início da Segunda Guerra Mundial, a ‘política da boa-vizinhança’ do presidente americano Franklin Roosevelt fez com que Walt Disney cruzasse o Rio Grande, fronteira dos Estados Unidos com o México, para mostrar os estranhos hábitos dos demais povos do continente. Foram obras extremamente preconceituosas, mostrando com olhar superior a siesta mexicana, o carnaval brasileiro – engraçadíssimo, com gente supervestida cantando ‘Escravos de Jó’ – o gaúcho pilchado fazendo churrasco. A prepotência era a mesma, mas o talento não: Disney deixou filmes magníficos, criou sequências fantásticas (a criação do Rio de Janeiro e do Zé Carioca é uma peça antológica), pôs na trilha sonora clássicos como ‘Aquarela do Brasil’ e ‘Tico-Tico no Fubá’. A propósito de Disney no Brasil, veja este link, que é magnífico – coisa para guardar na memória do computador.
Até para ser prepotente é preciso ter talento. Disney tinha. A turma que criou o ofensivo monstrengo sobre o Paraguai definitivamente não o tem.
Jornalismo em risco
Há, e sempre houve, muitas críticas ao jornalismo de TV. Mas hoje a crítica envolve até mesmo a sobrevivência do gênero: estará o jornalismo televisivo sendo contaminado pelo humor grosseiro e escrachado que tira sua graça de incomodar pessoas que não têm nada com isso e infernizar-lhes a vida?
Pesos-pesados
O jornalista Lauro Jardim, que edita a seção ‘Radar’ na Veja, propôs queixa-crime por difamação contra o empresário Luís Roberto Demarco, empresário da área de telecomunicações, ex-sócio do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, e hoje seu desafeto. Num processo em que depôs como testemunha, Demarco disse ter ouvido do banqueiro Luiz Sérgio Fernandes que ele, Jardim, era corrupto, e que já havia dado dinheiro a ele. Luiz Sérgio Fernandes, em documento escrito, nega ter dito qualquer coisa nesse sentido a qualquer pessoa.
É briga para sacudir a imprensa, onde Demarco tem muitos amigos.
O representante de Jardim é o Escritório Lourival J. Santos Advogados.
Enxergue, entenda
‘Luz, quero luz’, começa a magnífica ‘Vida’, de Chico Buarque. É o que deveria ter desejado, desde o início do caso, a RBS, no caso do estupro que envolve o filho de 14 anos de um de seus diretores e vitimou uma garota de 13 anos. A agressão não tem desculpa: não há como ter bons sentimentos diante de um garoto de 14 anos que se vangloria, pela internet, da violência que cometeu. Mas, se tivesse tomado a liderança do noticiário, mesmo mantendo em sigilo o nome dos envolvidos (uma questão legal, determinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente), a RBS mostraria sua preocupação não apenas com o caso, com a família da garota envolvida, mas também com o público. Não teriam ocorrido tantos protestos contra a rede que lidera as comunicações no Sul do país.
A luz é um grande remédio. Mais luz, mais jornalismo teriam evitado a guerra de concorrência, em que outras redes ganharam de presente a alegação de que a líder esconde o noticiário sempre que lhe for desfavorável.
Leia também
Quando o ‘menor’ não é meu – Elaine Tavares
Para esclarecer a confusão – Paulo Santa´Ana
Religião na escola
Este colunista estudou em escola pública na época em que havia ensino religioso – ou, em outras palavras, em que se ensinava o catecismo católico com dinheiro público em escolas leigas. Como judeu, ficava no recreio durante essas aulas. Era invejado por muitos colegas, que prefeririam bater uma bola a estudar religião. Mas, ao mesmo tempo, era discriminado: mesmo sendo pública, criada para todos, a escola o fazia sentir-se diferente, isolado dos companheiros.
Quando se falou em volta do ensino religioso, voltaram também essas lembranças. E há também uma questão de princípio: o aluno ateu é obrigado a ter ensino religioso? E os religiosos, estudarão ateísmo? Onde está a igualdade?
O governo prometeu que não, que desta vez haveria aulas, basicamente, de história das religiões e de seus princípios. E que é que aconteceu?
1.
Estuda-se o catolicismo. O resto é o resto. Jesus aparece nos livros e aulas 80 vezes mais que o segundo líder religioso, um índio, cujo nome nem é citado; 12 vezes mais que o Dalai Lama, chefe da vertente budista do Tibete; 20 vezes mais que Lutero, fundador do protestantismo. Calvino nem é citado.2.
Há forte estímulo à homofobia. O homossexualismo é citado como desvio moral e doença. Uma pergunta: ‘Se o homossexualismo se tornasse regra, como a Humanidade iria se perpetuar?3.
Atribuem-se aos ateus ‘comportamentos violentos e ameaçadores’.4.
As religiões de matriz africanas são tratadas não como religiões, mas como tradições.Vale a pena consultar a pesquisa da Universidade de Brasília que mostra esses dados: está no livro Laicidade – o ensino religioso no Brasil. As informações foram extraídas do portal Espaço Vital (em 5/7/2010).
Pau no Gentili
Virou moda: mais uma vez o repórter Danilo Gentili, do CQC (Rede Bandeirantes) é agredido enquanto trabalha. Desta vez, a agressão ocorreu durante evento em Santo André, SP, com a presença da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff. Dilma teve de intervir, pedindo respeito a Gentili e gritando ‘Viva o CQC!’ para que as agressões fossem suspensas.
Mas está na hora de a polícia tomar providências. Não é a primeira vez que Gentilli é agredido; e parece que, cada vez mais, o público reage como aqueles reis da Idade Média, que mandavam matar os portadores de más notícias. Ou há providências sérias por parte das autoridades ou a qualquer hora teremos notícias extremamente desagradáveis. Já chegamos ao limite. Será preciso ultrapassá-lo para que os governos ajam e os jornalistas possam trabalhar com alguma segurança de que não serão agredidos?
As máquinas paradas
Como é que pode? Não é que este colunista, que trabalhou no Jornal do Brasil na gestão Alberto Dines, no meio de todas aquelas feras, esqueceu nomes dos mais importantes ao comentar as más perspectivas sobre o futuro do jornal?
Esquecer o Carlos Castello Branco, um dos mais importantes colunistas políticos da história do Brasil, não deveria ser possível (mas aconteceu). Nem o Villas-Boas Corrêa. E o Nahum Sirotsky, até hoje um dos maiores jornalistas deste país, criador de Senhor e Visão, criador da coluna econômica do JB, correspondente nos Estados Unidos e Israel, como foi possível deixá-lo fora da lista?
É que o JB foi uma seleção fantástica, com gente excepcional, tanta gente que é impossível lembrar de todos sem reunir os amigos e dedicar um tempo exclusivo a isto. Havia Hamiltinho de Almeida, que fez o ‘Informe JB’, Wilson Figueiredo (que fazia a coluna anterior ao ‘Informe’, a ‘Segunda Seção’), Ricardo Noblat, que tem hoje um dos blogs mais lidos do país, Otto Lara Rezende, de texto impecável, Mário Chimanovitch, que descobriu no Brasil o criminoso de guerra Franz Gustav Wagner, Evandro Carlos de Andrade, que depois seria um dos homens mais importantes das Organizações Globo, o hoje ministro Miguel Jorge, Lago Burnett, copydesk que sistematizou o esquema de trabalho e criou uma estrutura de texto para o jornal. Gente, enfim, que nem cabe numa única nota. Basta, para saber como era o JB, perguntar quem era melhor fotógrafo: o Oswaldo Maricato, o Manoel Motta ou o Walter Firmo. Eta, resposta difícil! E ainda havia o monumental Ephraim Raymond Frajmund!
Vale a pena
A propósito, quem quiser conhecer a história do país como de fato ela foi deve ir ao site montado por Luciana Castello Branco, filha de Castelinho. Ali estão oito mil colunas escritas por ele, mais cartas, entrevistas, outras obras. Um trabalho esplêndido.
Como…
A Copa fez com que os meios de comunicação caprichassem:
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‘Klose sofre lesão e pode manter recorde de Ronaldo’É preciso explicar: Klose chegou perto de bater o recorde de gols de Ronaldo em Copas do Mundo. Como sofreu lesão (aquilo que antigamente era chamado de ‘se machucou’, ou ‘se contundiu’), Ronaldo ficou mais tranquilo.
…é…
Saiu num grande jornal de TV, edição carioca, no dia 13 de março:
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‘Os oito prédios do presídio da Frei Caneca foram implodidos neste sábado, às 12h15. Foram usados 500 quilos de explosivos e a implosão durou menos de 13 segundos.’No mesmo jornal de TV, na mesma emissora, só que no dia 3 de julho:
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‘O último presídio do Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Centro do Rio, foi implodido no início da tarde deste sábado. Na operação, foram usados 100 kg de dinamite.’Que notícia sairá no mesmo jornal, na mesma TV, daqui a um mês?
…mesmo?
De um grande portal noticioso:
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Manchete: ‘Neste domingo, no Sudão, Manute Bol, jogador mais alto da história da NBA, foi enterrado; ele morreu há 15 dias, aos 47 anos’**
Texto: ‘Bol ficou conhecido por causa de seus 2,31 m de altura, sendo um dos jogadores mais altos da história da NBA.’
Extra
Está no portal noticioso de um grande jornal, contando casos da Seleção brasileira que foi campeã mundial em 1970:
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‘Parte de um time cheio de estrelas, Antônio Piazza, que sempre jogou no meio-campo, foi escalado como o quarto zagueiro da seleção de 1970.’Quase perfeito: Piazza, volante do Cruzeiro, foi recuado para quarto-zagueiro, compondo o miolo da defesa com Brito, mais forte e mais tosco, e abrindo espaço no meio de campo para o grande Clodoaldo jogar com Gérson e Rivelino. Só que, naquele tempo, ele se chamava Wilson Piazza.
Mundo, mundo…
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‘Bombeiros e PM fazem buscas por suposto acidente com helicóptero na Grande SP.’Alguém poderia nos contar como é um ‘suposto acidente’?
…vasto mundo
Escolha a notícia:
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‘Aranhas fritas atraem viajantes a cidade do Camboja’Ou, tão maluca como esta, mas ocorrida bem mais perto, nos EUA:
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‘Homem faz a mãe refém por ela não passar suas roupas’
E eu com isso?
O noticiário gira em torno de Bruno (e sobre ele há títulos fantásticos, logo abaixo), do início da campanha eleitoral, dos programas partidários. Nada que dê para bater um papo mais agradável. Mas aqui, neste Circo,há algum frufru essencial. Sem esse tipo de notícia, ficaríamos como o candidato José Serra, que não lê nada que não seja muito sério: não conseguiríamos dormir à noite (e pode ainda ser pior: já pensou ficar parecido com ele, com olheiras e tudo?)
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‘Cantora dá dicas do que fazer em um dia de cabelo ruim’**
‘Claudia Leitte conta que quer engravidar no final do ano’**
‘Juliana Paes está bem disposta com a gravidez: `Não encaro como doença´’**
‘Namorada de Casillas deixa Villa `esperando´ para trocar olhares com amado’Nada enigmático: a bela namorada do goleiro Casillas é repórter. Às vezes, sabe como é: a foto pode esperar até depois de um gesto de carinho.
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‘Cristiano Ronaldo cura tristeza com compras em Nova York’**
‘Adriane Galisteu ganha miniofurô para o filho’**
‘Lindsay Lohan vai a audiência com palavrão escrito na unha’**
‘Victoria Beckham é flagrada em momento de cansaço na França’**
‘Pessoas mais velha do mundo completa 130 anos’A pessoa pode ser velha, mas não é duas!
O grande título
O dia é de Bruno, com uma única exceção:
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‘Pênis grande bomba estante GLS em junho (com conteúdo de nudez gay)’E agora, Bruno e suas variações:
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‘Polícia Civil busca possível corpo de Eliza em lagoa em MG’Possível corpo. As coisas estão mudando: já não é ‘suposto corpo’. Está certo que também não tem sentido, mas é diferente.
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‘Para polícia, mesmo sem corpo, Eliza está morta; veja’Atenção: lendo o próximo título com cuidado, até dá para entender.
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‘Sem corpo, polícia pode indiciar Bruno por testemunhos e bebê’O grande título também se refere ao caso Bruno (até porque os meios de comunicação simplesmente se esqueceram do resto do mundo):
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‘Mesmo sem corpo, Bruno deve responder por homicídio’Sem comentários.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados