Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Paulo Machado

‘A Agência Brasil publicou dia 19 de outubro a matéria Mais de 500 mil pessoas concordam com fixação de tamanho máximo para propriedade rural, tratando do plebiscito promovido pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, no qual foram ouvidas mais de 500 mil pessoas em 23 estados e no Distrito Federal. Elas foram consultadas entre os dias 1° e 12 de setembro, e 96,8% disseram-se favoráveis à ideia de fixar um limite máximo para o tamanho das propriedades rurais.


Depois de ler a referida notícia, o leitor e produtor rural, Walter Schlatter, protestou junto a esta Ouvidoria: ‘Notícias inquietantes publicadas supostamente pela CNBB e pelo professor Ariovaldo Umbelino da USP-SP, tentam confundir pessoas pouco esclarecidas sobre questões na Agricultura. Fixar, como limite da propriedade rural, 1000 (mil hectares) é ignorar atividades fortemente mecanizadas e que portanto competem no mercado internacional. Compará-las com uma atividade de agricultura familiar, declarando que a primeira emprega 1,4 empegado por hectare e a outra 17, é no mínimo tentar igualar desiguais.


Explico: na Silvicultura, fortemente mecanizada, nosso giro florestal acontece de 7 em 7 anos e portanto para ter alguma rentabilidade e competitividade, depende de áreas de grande extensão: de 5 a 10.000 hectares. Na agricultura familiar, onde se produz verduras, hortaliças e pequenos animais, o giro acontece em média 5 a 10 vezes ao ano. Assim, é basicamente trabalho manual e de giro muito rápido, exigindo mais mão de obra por área plantada. Isto é tão óbvio que só não enxerga o indivíduo absolutamente ignorante na área ou aquele que por razões pouco ortodoxas quer distorcer as realidades do campo querendo transformar nosso país em uma Cuba ou Venezuela. Protestos de um produtor rural honesto e consciente.’


Apesar da matéria citar que ‘A pesquisa sobre o tamanho das propriedades foi antecedida por debates, pela organização de comitês e divulgação de interesses da propriedade privada.’, esses interesses não são explicitados no texto e tampouco são ouvidas fontes que os defendam. Provavelmente era isso que o leitor esperava e realmente este tipo de informação daria melhores condições para que os leitores entendessem os argumentos de quem é contrário à limitação do tamanho das propriedades.


Alem de aprofundar e enriquecer o debate, ouvir o outro lado é uma das premissas básicas do jornalismo para preservar a isenção e a qualidade da informação.


A Constituição Federal estabelece princípios e determina a função social da terra. Um dos fatores para amparar essa discussão é justamente o que está ali escrito. Mas a mídia em geral e, particularmente a ABr, desde setembro do ano passado, deixaram de falar a respeito da revisão dos índices de produtividade – um dos fatores considerados na Constituição para determinar a desapropriação de propriedades rurais – os atuais índices foram calculados há 35 anos e nunca foram revistos.


Outro fator que precisa ser devidamente considerado nesta discussão diz respeito à conservação do meio ambiente – sem ela, segundo a Constituição, a propriedade não cumpre sua função social. Atividades silvícolas, como no exemplo citado pelo leitor, geralmente destroem a biodiversidade ao implantarem uma única variedade exótica (eucalipto ou pinus) em áreas que podem chegar a dezenas ou centenas de milhares de hectares. Portanto seria interessante que esse aspecto também fosse considerado ao se tratar do assunto, ouvindo-se especialistas a respeito.


O cálculo de viabilidade econômica de empreendimentos extensivos geralmente ignora os custos sociais e ambientais de tais atividades. O Brasil já possui uma legislação consistente que permite a compensação de impactos ambientais, entretanto, em muitos casos, acordos compensatórios inadequados revertem os custos adicionais em contrapartidas, como no reaparelhamento de órgãos ambientais, em vez de medidas efetivas para a preservação de áreas naturais. Este assunto começou a entrar mais intensamente na pauta da mídia com a realização da 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP10), ocorrida em Nagoya, há poucos dias.


Se a Agência Brasil conseguir estabelecer as conexões e mostrar como as decisões daquele fórum internacional afetam a discussão sobre o tamanho da propriedade rural no Brasil, os leitores terão uma dimensão da importância do assunto para as futuras gerações. A questão do tamanho da propriedade não se esgota nas leis ou no plebiscito convocado pelas instituições da sociedade civil. Ela transcende e vem se tornando cada vez mais uma decisão civilizatória sobre o tipo de sociedade que estamos construindo.


Até a próxima semana.’