Nas manchetes midiáticas, mais um crime é espetacularizado à exaustão. Notícia criminosa é um produto valorizado no mercado global da informação. As narrativas acerca do famigerado ocorrido, nomeado na imprensa como ‘O caso Bruno’, apoiam-se basicamente em três regimes sinistros: o espedaçamento, a duplicação e a metástase do acontecimento. Entre o fato e as suas versões, verifica-se a produção de um conjunto complexo de enunciados em que se manifestam as opiniões, leituras e interpretações dos leigos, especialistas, curiosos e oportunistas de plantão. Sob o jargão repetido ‘o público quer saber’, sabe-se que o inferno está cheio de boas intenções. A cada instante, como uma ficcionalização do real (no país das telenovelas), novos detalhes, angulações e pontos de vista são injetados no espaço público midiatizado.
A crônica policial dramatizada pelos telejornais fragmenta, recorta, distorce o acontecimento brutal. As cenas de Freddy Kruegger e Sexta Feira 13 misturam-se às narrativas midiofágicas do crime, refratando múltiplas camadas impactantes no imaginário coletivo. Mas a indignação e a perplexidade sociais vão se tornando um ruído estranhamente prosaico que se dissipa e se anula em meio às ressonâncias das vuvuzuelas, do que nos restou da Copa do Mundo. O crime se tornou hipertextual e a cada momento novas janelas, imagens, sites vão duplicando, multiplicando as faces sinistras de uma ocorrência fatal que dissipou os sonhos de uma aspirante à modelo. Assim, como metástase, na era das redes e telas totais, os ecos do crime vão se alastrando e minando a nossa capacidade de julgar.
Cada crime serializado na TV vai preenchendo o fosso existente entre o mal-estar cotidiano e a legiferância da civilização. Relembro a frase de Godard: ‘Precisamos ainda dos sonhos e da polícia.’ Cada um desses crimes funciona como a fabricação do cenário para a representação dos nossos bodes expiatórios. Relembro de Nietzsche e de O senhor dos anéis, alertando para a condição humana e a vontade de poder, o desejo de matar simbolicamente tudo aquilo que parece ameaçador à rotina de nossas sobrevivências. Penso no mestre Jomard Muniz de Britto falando dos abismos cotidianos, do futebol no carnaval das religiões, no ethos bizarro que nos rege em meio a todos os tipos de racismo, o ódio aos gays, feios, gordos, favelados, negros, nordestinos, prostitutas. Parece que estamos irremediavelmente predestinados ao esquecimento dos abismos, das lâminas e balas diárias que estilhaçam a virtualidade de nossa cidadania. Logo, tudo não passará de um remake, até a fabricação do próximo Ti-Ti-Ti.
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Jornalista, professor de Comunicação, João Pessoa, PB