Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa existe pra pegar no pé

O Millôr tem uma frase ótima: ‘Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados.’ Eu me lembrei dela ao avaliar o impacto da postura destemperada do técnico Dunga em relação à imprensa, mais especificamente em relação à Rede Globo, nos episódios que todo o Brasil – e o mundo – acompanharam pelos jornais e pela TV.

Profissionais experientes, como Tostão e Gerson, por coincidência ambos heróis da conquista do tricampeonato em 70, advertiram para os efeitos nocivos que uma postura hostil à imprensa pode ter no ânimo dos jogadores e da torcida. Independentemente do resultado pífio apresentado pela seleção de Dunga, a forma fechada como se comportou diante da imprensa revela uma profunda falta de conhecimento das funções do jornalismo.

Antes de qualquer coisa, jornalismo é fiscalização (e não oposição sistemática, como exagera o Millôr). E fiscalização é prima-irmã da crítica, que incomoda, machuca e, por vezes, revolta. Basta ver como os governos, qualquer um, se comportam diante da imprensa. Lula rasgou-se em elogios à imprensa no impeachment de Collor. Mas atualmente ele e sua troupe descem o pau na imprensa, acusando-a de golpista e partidária. Tanto Dunga como Lula precisam entender, de uma vez por todas, que imprensa não existe para elogiar, mas para criticar. Jornais exibem maior número de notícias ruins do que de notícias boas pela simples razão de que a atividade da imprensa compreende muito mais apontar o dedo para o erro do que bater palmas para o acerto. Até porque acerto, nos governantes, é obrigação. E erro, principalmente quando implica em desperdício ou rapinagem do dinheiro público, é crime, e precisa, sim, ser denunciado. Da mesma forma como a imprensa fez e vai continuar a fazer com Dunga, Felipão, Zagalo ou seja lá quem seja o técnico da seleção brasileira.

O resto é armazém de secos e molhados

Sim, é malhar em ferro frio, não tem jeito mesmo porque jamais os detentores do poder – qualquer poder, inclusive o de comandar a seleção canarinho – admitirão como normal a postura crítica da imprensa. Esperam, sempre, que ela destaque o positivo e minimize o negativo. Mas é da nossa natureza, do nosso ofício e de nossa obrigação a denúncia permanente do erro. Governantes que ignorem essa realidade e insistam na posição de hostilidade defensiva tendem a contaminar negativamente suas equipes.

Tão logo ocorreu aquele destampatório de palavrões de Dunga contra o jornalista Alex Escobar, que redundou no ‘editorial’ de Tadeu Schmidt no Fantástico, choveram e-mails na internet justificando o fato com a informação de que o motivo fora uma negativa de Dunga a um pedido de entrevista exclusiva que Fátima Bernardes teria acertado com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Sem justificar privilégios inaceitáveis que a Rede Globo possa ter tido em outros mundiais (como ‘brinde’ pelo fato de ser a emissora oficial do Brasil a exibir os jogos da seleção), é preciso dizer, também, que jornalistas tentam, vão tentar e se não tentarem é melhor mudarem de profissão – furar todos os bloqueios possíveis para chegar perto da melhor informação. Se a Globo havia conseguido realizar um acerto com a CBF, não cumprido pelo técnico, restaria à Globo meter a viola no saco e ao técnico manter-se na posição educada de resistir sem partir para a ignorância do palavreado de botequim em final de farra. Porque o que poderia significar simplesmente uma bravata machista terminou, sim, contaminando todo o esquema. Jamais direi que por causa disso deu no que deu. Mas que ajudou a dar no que deu, ajudou, sim, e muito. E, se quer saber, Lula, Dunga e seus sucessores precisam saber, sim, que jornalistas existem para pegar nos seus respectivos pés. Para isso existimos. O resto é armazém de secos e molhados.

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Jornalista, pesquisador, professor da UnB