O vocábulo ‘grotesco’ teve origem na língua italiana – la grottesca e grottesco, derivados de grotta (gruta). O termo foi utilizado para denominar objetos ornamentais e pinturas encontrados em escavações feitas em Roma no final do século 15, nos subterrâneos das Termas do Tito e em outras regiões próximas da Itália. Suas formas eram inacabadas, abertas e fantásticas, metamorfoses de figuras humanas com animais, fugindo da representação real. O grotesco é o belo de cabeça para baixo é uma espécie de catástrofe do gosto clássico. No século 18, o classicismo rejeita o grotesco por considerá-lo algo imaginado, sonhado, fantasioso, irreal, sem significado, de mau gosto, distante da inteligência e da verdade.
Existem algumas correntes discursivas que caracterizam o grotesco. Uma delas é a teoria da carnavalização, tendo como principal porta-voz Mikhail Bakhtin (1993). Essa corrente é utilizada para conceitualizar formações e conflitos sociais, ou políticos. Assim, o corpo grotesco é identificado como estrato inferior, degradado, a morte, o nascimento, o imundo, um corpo mutável, aberto, irregular. Diferente do corpo clássico, que é fechado, acabado, contido, simétrico, se identifica com a cultura superior e tem inspirações burguesas. Outra corrente debatida é o grotesco como estranho. Este se comunica com a psique, com o mundo introspectivo, interior, individualizado, fantasioso, que corre o risco de inércia social. Mary Russo (2000) a defende como sendo ‘uma projeção cultural de um estado interior’. Essa imagem corporal é ambígua, monstruosa, deformada, excessiva, desprezível. Observa-se sob os princípios freudianos a presença dessas características grotescas em mutilações, distorções etc.
Wolfgang Kayser (1986) defende o grotesco estranho, segundo ele através da recepção da obra, do psicológico, amplia-se a ideia de estranheza adicionando a alienação de um mundo que se tornou estranho. Já Muniz Sodré (1973) alia o grotesco à cultura de massa nacional. Com sua atmosfera psicossocial, é retirado de seu contexto crítico, atua com finalidade de compensação para a angústia do homem moderno. Sodré conceitua a categoria estética como fabulosa, berrante, macabra, demente. O estropiado e o miserável são grotescos em face da sofisticação da sociedade de consumo, especialmente quando são apresentados em forma de espetáculo – o grotesco, nesse caso, se apresenta como um mundo à parte, distanciado. Para Sodré a estranheza que caracteriza o grotesco o coloca perto do caricatural e também do kitsch – ‘o grotesco é um mundo distanciado daí sua afinação com o estranho e o exótico’.
A ‘deformação’ apresentada em forma de espetáculo
A campanha para grife italiana de moda Nolita ilustra bem os aspectos apresentados acima acerca do grotesco. O objetivo da campanha veiculada em 2007, durante a semana de moda de Milão, era chamar a atenção para distúrbios alimentares, o que de fato aconteceu. Os anúncios, expostos em jornais e outdoors, mostravam uma modelo nua sob os dizeres ‘No Anorexia’. A modelo era a jovem francesa Isabelle Caro – de quem, na época, a imprensa divulgou pesar apenas 31 kg. A campanha foi criada por Oliviero Toscani, conhecido pelas campanhas polêmicas da Benetton nos anos 80 e 90, que usavam fotos abordando temas como Aids, guerra e racismo. Em entrevista à revista Época, Toscani afirmou que ‘Com a exposição, quero que as pessoas se choquem e discutam o problema […]. Eu não entendo por que um anúncio tem que ser estúpido quando ele pode vender um produto e dizer coisas importantes’.
Nas próprias palavras do autor da campanha, é possível perceber uma característica básica do grotesco, chocar. Esta foi justamente a intenção do anúncio. A exposição de um corpo mutilado, ferido, exposto em sua forma mais degradada, causa espanto, tornando-se quase que monstruoso e, neste caso especificamente, é capaz de causar repulsa. A definição de Sodré se faz presente quando ele diz que ‘o grotesco é um mundo distanciado; daí sua afinação com o estranho e o exótico’. O corpo da modelo seria o estropiado e o miserável e se torna grotesco em face da sofisticação da sociedade de consumo, especialmente porque sua doença e a ‘deformação’ de seu corpo foram apresentados em forma de espetáculo. Para a sociedade, essa campanha se apresentou de maneira violenta, a doença é mostrada de modo distorcido, bizarro e, sobretudo, excessivo. Foge do gosto clássico, ainda mais em se tratando de moda, que tem por objetivo cultuar o belo. Pelo fato de causar essas reações, essa campanha pode ser enquadrada na concepção grotesca.
******
Estudante de Publicidade e Propaganda, Antônio Carlos, MG