Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

‘‘Esse banco aí é do Silvio Santos? Quer dizer que ele ficou pobre?’. As perguntas vieram de uma mulher que não costuma ler jornal, mas se interessou pela manchete de sexta-feira da Folha (‘Quem pagar leva a rede SBT, diz Silvio Santos’, na edição São Paulo).

A notícia do rombo no banco PanAmericano é uma daquelas raras oportunidades de atrair a atenção do público em geral para a, muitas vezes, imperscrutável cobertura econômica. Pena que o jornal não a tenha aproveitado bem.

O caso estourou na terça-feira. Às 17h38, uma nota no site do ‘Estado de S. Paulo’ dizia enigmaticamente: ‘O Banco Central fará um anúncio de peso após o fechamento do mercado logo mais. Nada a ver com o câmbio’. É um aviso típico do jornalismo pós-internet: não vale nada para o leitor comum, já que não diz do que se trata, mas serve para espicaçar os concorrentes (‘somos bem informados, vem bomba aí’).

A notícia mesmo apareceu às 19h46, quando o ‘fato relevante’, o aporte de R$ 2,5 bilhões, foi anunciado. Dava tempo de a Folha preparar um bom material para a edição das 23h. Já se sabia àquela altura qual era o tamanho do rombo, que havia fortes suspeitas de fraude e que o banco pertencia em parte à Caixa Econômica Federal. Tudo isso somado ao envolvimento de uma personalidade conhecidíssima tornava a notícia irresistível.

Mas, na quarta-feira, o jornal trouxe apenas uma pequena chamada, na parte de baixo da Primeira Página. No caderno Poder – porque Mercado está sendo obrigado a terminar sua edição às 19h-, só um texto que mal dava conta do factual.

No dia seguinte, o PanAmericano foi alçado à manchete do jornal, a cobertura cresceu, mas a qualidade ainda deixava a desejar.

O médico Teeve Rabinovici, 52, reclamou: ‘Por curiosidade, li tudo sobre o banco PanAmericano. Sou leigo em economia, porém me acho razoavelmente inteligente. É sempre dificílimo entender essas matérias, que afinal são publicadas em um jornal não econômico. Não dá para simplificar mais?’.

Dá sim, dr. Teeve. Didatismo é uma ‘qualidade essencial do jornalismo e um dos objetivos básicos do Projeto Folha’, diz o ‘Manual de Redação’. Todo texto, recomenda-se, deve ser redigido com base no princípio de que o leitor não está familiarizado com o assunto.

A editoria de economia precisa fazer disso um mantra. Desde a crise financeira de 2008, entender o que se passa com bancos deixou de ser um luxo. Cabe à Folha usar todo o seu arsenal -quadros, metáforas, análises, históricos- para tornar o mundo financeiro inteligível ao leitor, sem que ele tenha de ‘perguntar aos universitários’.

A entrevista com Silvio Santos, na sexta-feira, único gol da Folha nessa cobertura, revela outra faceta do jornalismo atual. A colunista Mônica Bergamo ignorou assessores de imprensa e ligou para a casa do apresentador. Com perguntas objetivas e respostas diretas, travou-se um diálogo precioso para o leitor.

Abusando da ironia, o empresário deu seus recados: disse que não tem responsabilidade sobre o rombo, que a culpa é de quem ele contratou para administrar, que não falou com Lula sobre isso e que gostaria de vender as empresas.

Na mesma página de Mercado, uma reportagem com Eike Batista contava que o empresário havia dito em um evento no Rio que tinha interesse no Grupo Silvio Santos, mas que, ‘mais tarde, ele voltou atrás e, por meio de sua assessoria de imprensa, negou a possibilidade de comprar o SBT’. Ou seja, alguém o convenceu a desdizer-se.

Num mundo em que assessores e marqueteiros evitam ‘expor’ seus clientes -basta lembrar as eleições passadas-, uma conversa como essa com Silvio Santos torna-se um momento raro. É o encontro de um empresário que domina como ninguém a própria imagem e que não tem medo da mídia (‘capricha, bota uma foto minha bem bonita’) com uma jornalista perseverante.’