Não resta dúvidas acerca do quão revolucionária foi a inserção da internet no ambiente doméstico. Desdobramento fatal e inevitável da revolução técnico-científico-informacional iniciada na segunda metade do século passado, a sua saída dos departamentos militares e de inteligência norte-americanos se deu em pouco mais de duas décadas da sua instauração contra a ameaça comunista, ainda na década de 60, clímax da Guerra Fria. Nos idos da década de 80, a rede passou a dar seus préstimos a novos senhorios: além do seu corrente uso no seio da academia, passou também a fazer parte do cotidiano do cidadão comum, que se viu na possibilidade de adquirir computadores para o uso pessoal e doméstico. Assim, foram diminuídos de maneira inédita os entraves espaços-temporais existentes tanto entre os usuários como entre estes e a busca da informação propriamente dita.
No Brasil, a internet chegou um pouco depois, na década de 90, com o entusiasmo e desconfiança comum ao que é novo e desconhecido. Sendo a princípio um bem de consumo bastante elitizado, hoje um computador conectado à rede se encontra bastante acessível às classes sociais menos favorecidas, existindo, inclusive, programas governamentais que viabilizam ainda mais a aquisição de um personal computer.
Meio de emancipação e conscientização
Em que pese o processo de amadurecimento das relações da sociedade com a internet vir sendo natural e contínuo, ainda está a léguas de atingir a excelência. A popularização do acesso à rede é de fato algo inconteste, consubstanciada tanto pelas já aludidas facilidades de compra de computadores, bem como por iniciativas do poder público nessa linha, tal qual o recente Programa Nacional de Banda Larga. Com isso, torna-se cada vez mais impossível ignorar as potenciais consequências de transformação social advindas da democratização do acesso à informação imbuída em ações desse tipo. Observe-se, entretanto, que fomentar mesmo que tardiamente a acessibilidade das classes sociais desfavorecidas aos benfazejos frutos da revolução tecno-informacional é apenas o primeiro passo de um processo cuja finalidade precípua pode demandar esforços mais hercúleos do que a transformação dos paquidérmicos e primitivos computadores utilizados na Guerra Fria nas máquinas cada vez menores e mais portáteis de hoje em dia.
Se o primeiro passo foi construir e elaborar novas tecnologias e o segundo está sendo popularizá-las, o terceiro e derradeiro passo é, tão somente, fazer com que seus usuários tenham consciência da importância do instrumento de modificação social do qual agora dispõem de modo a utilizá-lo de maneira a dar um mínimo de efetividade ao apelo de transformação que este instrumento traz consigo. Se objetivarmos dar vazão às imbricações políticas do uso da internet, de nada adianta a implementação das duas primeiras etapas sem a materialização desta terceira. Possibilitar o acesso à tecnologia informacional sem incentivar de forma concomitante a cultura e o hábito de utilizar esta mesma tecnologia em prol da coletividade enquanto meio de emancipação e conscientização da realidade política, econômica e social do país, da sua cidade e do seu estado, servindo como instrumento de formação de pessoas cultas e esclarecidas, é o mesmo que, remetendo ao Mito da Caverna de Platão, desacorrentar os seus prisioneiros sem possibilitar-lhes o acesso à luz do sol e ao mundo real. O Brasil, em particular, não pode se dar ao luxo de abrir mão de tão potente meio de influência no processo decisório de nossos líderes, meio cuja eficácia restou bastante clara com a recente sanção da Lei Ficha Limpa e pode se mostrar ainda mais eficaz nos períodos eleitorais.
O gigante de Prometeu
A construção de uma cultura de utilização da internet com fins cívicos requer tempo e resultados a médio e longo prazo. Nesse sentido, maciços investimentos em educação possuem efeitos que, por mais que paulatinos, consolidam-se como rocha inquebrantável ao longo do tempo, desenvolvendo na sociedade um patrimônio moral e intelectual que consigo levarão por toda a vida. A ideia de esclarecer os próprios cidadãos que são atores sociais capazes de influir no rumo da história requer, sobretudo, paciência e perseverança. A real revolução está longe de acontecer nos automatizados laboratórios de tecnologia de ponta e em seus microchips e novos softwares e hardwares.
Uma das mais notórias, poetizadas e decantadas histórias da mitologia grega é a do gigante de Prometeu, o titã que se apossou do fogo dos deuses para repassá-lo aos homens, dando-lhes a inata superioridade racional em relação aos outros seres vivos. Com a popularização da internet e a consequente democratização da informação, o fogo nos está sendo dado. Basta agora sabermos como utilizá-lo.
******
Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN