Comentarista da pós-modernidade, Harvey (1980) falava na espacialização do tempo. Pois esta, ou seu reverso, está nas bancas do Rio de Janeiro.
Meia Hora, a nova publicação popular da família O Dia, do Rio de Janeiro, custa R$ 0,50 – ‘o troco de uma passagem de ônibus’. E propõe-se a tomar no máximo 30 minutos do tempo de quem a ler.
Portanto, algo entre a ‘Bíblia em 100 minutos’, lançada nesta semana em Londres, e o currículo profissional para ser lido em no máximo três minutos. Na medida para a viagem de trem entre Madureira e a Central do Brasil.
O Meia Hora é tablóide, formato raro fora da Região Sul. Sai de segunda a sexta. Os textos têm no máximo quatro parágrafos. Cada parágrafo, em torno de 50 palavras. E há ainda as ‘rapidinhas…’. Assim mesmo, com reticências dúbias. Ponto.
Alguns registros são feitos em uma linha, no alto das páginas. E muitas, muitas pequenas seções preenchem as cerca de 40 páginas. Pílulas de tudo.
Luxos dispensados
São serviços, empregos, reclamações, desaparecidos, encontros, simpatias, cura pelas plantas, auto-ajuda, santo do dia, palavras cruzadas, dicas de português, resumo das novelas, cupons de desconto, classificados… e até glossário das palavras difíceis da edição do dia.
Não falta nada. Nem as páginas cativas dos comunicadores da FM do grupo, que transportam quadros inteiros de seus programas de variedades para o papel, com os mesmos bordões, piadas, gaguejadas e tudo.
Ou talvez faltasse contextualização. Profundidade. Análise. Luxos que o senso comum dispensa, rejeita ou apenas não concebe. (Ou não merece?)
TV e celebridades
É o jornal dito popular, para ser lido na Kombi do transporte alternativo ou na fila do SUS, pelo camelô, pelo operário, pela diarista. Que ainda podem aparecer, com direito a foto, dizendo tudo o que pensam e acham em duas linhas e dando nota a fatos e personagens do noticiário.
Há duas semanas, este Observatório notava que a circulação dos diários de menor tiragem aumenta mais com o calor de fatos locais e urgentes do que a dos jornalões com toda a crise política (‘A crise política não aumentou as vendas‘). O que vende jornal é notícia.
Para o Meia Hora, notícia tem sido, por ordem de prioridade: a ficção televisiva, a agenda das celebridades, a crônica policial e o futebol. Melhor ainda se combinados. Como tem vindo a propósito ocorrer, com os recentes assaltos e homicídios contra artistas e parentes.
Vinte empregos
Fotos de beldades com pouca roupa na primeira página e na última, claro, são obrigatórias. Sangue, nem tanto: um diferencial em relação aos concorrentes diretos Extra (com o qual tem vaga semelhança gráfica) e Povo. Mas não em relação à sua matriz, cuja cobertura aparece diluída e rarefeita no filhote, como se um dia que se espremesse só desse meia hora de caldo.
Lançado com show e festa no Canecão, na semana passada, o Meia Hora teria criado 20 empregos na área editorial (será?). O suficiente para preencher meia hora do nosso precioso tempo, que afinal vale 50 centavos.
Seja como for, é mais um daqueles jornais que, se espremer, sai quase nada.