Quanto tempo a revista Veja terá que esperar para dar três páginas de entrevista – com direito a foto em dupla central – ao goleiro Bruno, o criminoso preferido da mídia no momento, mostrar seu ‘arrependimento’? A julgar pelo espaço dado à entrevista do ex-ator Guilherme de Pádua, um dia chegará a vez dele. A desculpa para dar a palavra ao assassino confesso da atriz Daniella Perez, morta em 1992, foi uma longa matéria de capa sobre o perdão, na edição corrente da revista.
Claro que a revista teria preferido falar novamente de Bruno se ele admitisse o crime e pedisse perdão. Mas já que ele ainda nem foi formalmente acusado, serve um crime do passado em que todos os envolvidos eram celebridades: o assassino, sua cúmplice e a vítima, todos ex-atores da TV Globo.
O grande destaque de Veja é a entrevista do assassino Guilherme de Pádua. Mas como o caso, tão falado e já esquecido, não renderia as oito páginas iniciais da matéria, foi preciso procurar muito assunto para compor o texto.
Entre os pecados – perdoados ou não –, são citados o ex-presidente Bill Clinton, o jogador de golfe Tiger Woods (que traíram as esposas), o pai da apresentadora Xuxa (que traiu a mãe dela), o goleiro Júlio Cesar, que cometeu o pecado de fazer parte da derrota da seleção de futebol brasileira, o papa João Paulo II e alguns mortais, que dão bons exemplos aos outros cidadãos. No meio desses pecados – que não sei se a igreja católica classifica como veniais ou mortais –, o destaque fica mesmo com o ex-ator, que matou uma menina de 22 anos e agora sonha em ser perdoado pela mãe da vítima, a autora de novelas Glória Perez.
No foco da mídia
A pergunta que os leitores devem estar se fazendo é se um assassino confesso, condenado a 19 anos de prisão, dos quais só cumpriu sete, serve de exemplo para alguém só porque se converteu a uma religião. Na entrevista, ele fala do sofrimento na cadeia, do sonho de se tornar pastor, da rejeição que ainda sente por ter cometido um crime. E do fato de tanto ele quanto sua ex-mulher (cúmplice no assassinato) terem reconstruído novos casamentos. Enfim, um sofredor que tenta viver em paz, arrependido do seu erro.
Se o repórter fosse um pouco mais atento, teria pegado o arrependido pregador pela palavra, quando ele diz:
‘Se o assassinato tivesse sido premeditado, teria sido mais bem executado. Todos viram que eu fui o último a estar com ela. Se houvesse premeditado, teria feito de outra maneira.’
Parece tão arrependido quanto o jogador de futebol Felipe Melo, que, durante a Copa do Mundo, respondeu à pergunta de um repórter sobre sua merecida expulsão de campo dizendo: ‘Se fosse para quebrar, eu tinha entrado na perna dele de outro jeito.’
Teria sido melhor – embora menos sensacionalista – se, em vez de falar com o criminoso, Veja tivesse dedicado o mesmo espaço à mãe da vítima. Se o perdão depende basicamente de quem foi ofendido, não faz o menor sentido abrir espaço para os criminosos. Como não faz sentido colocar no mesmo nível traição entre casais, derrota no futebol e assassinatos. Parece que se ao menos um dos envolvidos for uma celebridade, vale a pena até inventar matérias que justifiquem falar de quem é – ou foi – famoso.
O perigo maior é os leitores acabarem convencidos de que realmente precisam saber mais sobre os escolhidos pela mídia. Não importa se são pessoas que fizerem alguma coisa boa ou se são criminosos. Se estão na mídia, é porque merecem.
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Jornalista