Com o início da corrida eleitoral, três figuras saíram de cena na TV: Dilmandona, José Careca e Magrina Silva. Criados pelos humoristas do Casseta & Planeta, os personagens parodiavam os candidatos Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva. Recentemente, a equipe responsável pelo programa da Rede Globo decidiu retirar do ar as imitações dos presidenciáveis para evitar problemas com a Justiça.
Desde o dia 6 de julho, quando a campanha começou oficialmente, as produções de humor na TV buscam alternativas para lidar com as restrições impostas pela lei eleitoral. A saída recorrente tem sido amenizar o tom das piadas com candidatos ou, em alguns casos, cortar esquetes do roteiro.
A lei eleitoral nº 9.504/97 proíbe que emissoras de rádio e TV usem ‘trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação’. Na prática, o artigo atinge em cheio as brincadeiras realizadas por humoristas.
Poderia ser encarada como ofensa, por exemplo, uma pergunta mais ácida de um repórter do CQC ou a insistência de Sabrina Sato, do Pânico na TV, para convencer um candidato a dançar o hit ‘Rebolation’.
No caso de uma infração, a multa pode chegar a R$ 200 mil.
– A lei quer impedir que as pessoas façam piadas ou comentários sobre os candidatos. Passa a sensação de que qualquer espécie de brincadeira é uma difamação. Não admite que se possa brincar, o que é justamente o trabalho do humorista – critica Hubert, integrante do Casseta & Planeta.
Antes mesmo de a lei começar a vigorar, o programa da Globo já distribuía piadas por cotas. As caracterizações inspiradas em Serra, Marina e Dilma apareciam sempre na mesma cena, para evitar acusações de favorecimento ou perseguição.
Por precaução, as paródias aos candidatos majoritários foram excluídas após o início da campanha. Os roteiristas passaram a investir em personagens fictícios. Um deles foi o ‘polvo vidente’, celebrado como candidato à Presidência na edição da última terça-feira [20/7].
– Seguir a lei à risca implica não fazer nada por conta das ações que podem surgir. Isso é muito ruim. A gente quer se divertir, não quer difamar. Estão levando o humor muito a sério – pondera Hubert.
Ex-ministro do TSE vê lei como garantia de lisura
Para o advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE especializado em direito eleitoral, as críticas dos humoristas são injustificadas. Ele considera necessárias as restrições impostas pela lei eleitoral.
– Acho justo que se protejam os candidatos para garantir a lisura das eleições. Uma emissora não pode fazer brincadeiras que deixem mal um candidato. É simples assim. A lei não permite, e acho que ela tem sua razão de ser – diz Neves.
A influência das restrições também pôde ser constatada no CQC, exibido pela Band na última segunda-feira [19/7]. A edição do programa sempre se caracterizou por enfeitar os entrevistados com lacinhos e dezenas de outros efeitos especiais inseridos por computador. Tal recurso acabou descartado nas reportagens sobre eleição.
– Este é um equívoco da lei eleitoral: penaliza até cartunistas, que contribuem para despertar o interesse do público – lamenta Marcelo Tas, apresentador do CQC. – Você conhece algum país sério no mundo onde candidatos podem responder a uma piada com um processo na Justiça?
Na avaliação da presidente da Comissão Eleitoral da OABRJ, Vânia Aieta, os humoristas acabaram afetados por um artigo da lei eleitoral criado para impedir excessos na propaganda política obrigatória.
– Os humoristas têm razão ao reclamar. Essa lei é direcionada aos adversários que concorrem numa eleição. É dirigida aos malefícios causados por marqueteiros que apostam em trucagens eleitoreiras nas propagandas na TV – diz Vânia.
Ela defende a liberdade dos humoristas durante as eleições, mas com moderação:
– Talvez, na próxima eleição, poderia haver algum artigo com uma ressalva que assegurasse o trabalho dos profissionais do humor. Mas, de qualquer maneira, isso não poderia garantir uma blindagem absoluta.
O diretor do CQC, Marcelo Zaccariotto, afirma que o tom está mais suave. Orientado pelo departamento jurídico da Band, o comando do programa tem evitado situações que possam resultar em processos.
– Procuramos produzir nosso material sem correr o risco de entrar no problema da multa. E, por isso, não fazemos algumas coisas que gostaríamos – revela Zaccariotto.
O código de conduta determina uma abordagem menos agressiva da equipe de reportagem do CQC.
– Estamos filtrando um pouco mais. Pensando numa forma de passar o recado que não seja tão pesada – acrescenta Zaccarioto, que vem submetendo as reportagens à avaliação da equipe de política da Band.
Por enquanto, Pânico prefere ficar fora de eleição
No caso da Rede TV, os quadros do programa ‘Pânico’ relacionados à política estão fora do roteiro. Entre eles, as participações de Sabrina Sato, que tentou convencer os presidenciáveis a dançar o ‘Rebolation’.
– É questão de tempo. Assim que as coisas esquentarem, o ‘Pânico’ não ficará de fora. Mas seguiremos as orientações da lei – ressalta Alan Rapp, diretor do Pânico na TV.
Ironicamente, na campanha eleitoral, os humoristas também estão sendo obrigados a ‘rebolar’ para acompanhar de perto a disputa entre os candidatos.
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‘Estão levando muito a sério o humor’
O humorista do Casseta & Planeta critica as limitações da Lei Eleitoral, que obriga o programa da Rede Globo a tratar o noticiário político de forma distante, ‘pelas beiradas’. E lamenta não poder brincar com assuntos relevantes da forma como gostaria.
Como vocês estão lidando com as restrições contidas na Lei Eleitoral?
HELIO: Estamos diante de um momento fundamental para a vida do país e a cobertura de humor sofre restrições justamente agora. É um problema muito sério para a gente. Somos obrigados a ter tanto cuidado com essas regras que não podemos tirar proveito do assunto. Não podemos brincar com uma notícia na proporção que ela tem para a população.
Qual é a saída para continuar falando de eleição?
HELIO: Procuramos inventar personagens fictícios. Lançamos, por exemplo, o polvo da Copa como candidato à Presidência. Já criamos a Dilmandona, o José Careca e a Magrina Silva, mas tivemos que encostá-los no momento em que os candidatos estão mais em evidência. Isso é uma tentativa de tomar conta da cabeça do eleitor.
O Casseta & Planeta sempre procurou abordar os assuntos do noticiário da semana. Ficou mais difícil?
HELIO: Sem dúvida. Um programa de humor, além de brincar com o fato, realça o fato. Leva as pessoas a questionarem: ‘por que será que os caras estão falando isso?’ E esse papel, não podemos fazer.
Algum partido chegou a reclamar das imitações dos presidenciáveis apresentadas durante a pré-campanha?
HELIO: Não, porque sempre tomamos cuidado. Quando citamos um candidato, os outros dois apareciam também. Nunca houve intenção de prejudicar um ou outro candidato. Por ser uma emissora com visibilidade, os partidos tendem a achar que a Globo pode influir no resultado. E aí acabam levando muito a sério o que é só um programa de humor.
Na Copa, o acesso de humoristas aos jogadores da Seleção foi negado. Agora, vocês têm a lei eleitoral pela frente…
HELIO: Pois é… Dunga não nos dava bom dia. Agora, nem os candidatos podem nos dar bom dia. Mas vamos driblando e fazendo nossas piadas. (Fabio Brisolla)
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Sátira política tem audiência garantida nos EUA
Fernando Eichenberg, de Washington
Nos Estados Unidos, a sátira política não é só uma tradição secular garantida pela lei e tolerada até pelos mais mal-humorados.
Os próprios políticos aderem ao jogo e estimulam a autoironia. Um dos exemplos mais emblemáticos é o Saturday Night Live, o programa humorístico mais popular da TV americana, que usa e abusa da troça política, com a anuência de suas vítimas, a permissão da Justiça e a audiência dos telespectadores.
Na última eleição presidencial dos EUA, em 2008, o programa recebeu destaque internacional ao deitar e rolar com a imitação de Sarah Palin, candidata a vice na chapa republicana, protagonizada pela atriz Tina Fey.
Além da impressionante semelhança física com o personagem original, a comediante soube usar com talento o potencial humorístico proporcionado pela singular ex-governadora do Alasca, reconhecida por suas gafes.
A elogiada performance rendeu a Tina uma estatueta do Emmy, prestigiado prêmio da TV americana. Bemhumorada, Sarah aceitou contracenar com sua sósia numa das edições do programa. Na noite de sua aparição, o Saturday Night Live foi visto por 14 milhões de telespectadores, a maior audiência alcançada em 14 anos.
Desde 1975, quando foi criado, o programa se ilustrou na sátira mordaz às figuras públicas e, em especial, aos políticos e titulares da Casa Branca. A exemplo de Tina-Palin-Fey, o ator Chevy Chase se fazia passar por um Gerald Ford presidente trapalhão, Dana Carvey parodiava George Bush pai, Darrell Hammond imitava o popular Bill Clinton e Will Ferrell não poupava o texano Geoge W. Bush júnior. A grande maioria dos líderes visados não recusava o convite para participar de um esquete ao lado de seu imitador, mesmo sem a garantia de que a galhofa poderia render mais votos em período de campanha eleitoral.
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Ironizar candidatos na França não é proibido
Deborah Berlinck, de Paris
Recorrer a tiradas humorísticas na mídia durante campanhas eleitorais não é proibido na França. Mas há limites.
Que o diga o socialista Antoine Bardet. Em 2007, ele criou um blog, usando o pseudônimo ‘Fansolo’, com o nome ‘Os amigos de Serge Grouard’.
Tratava-se de uma sátira das ações, da vida e da personalidade do prefeito de Orléans, Serge Grouard, do UMP, o partido de direita no poder na França, seu rival. O prefeito, que se reelegeu, incomodado com um blog que parecia a seu favor – mas não era –descobriu que por trás de ‘Fansolo’ estava Antoine, candidato na lista eleitoral do Partido Socialista. Resultado: o (falso) blogueiro-candidato foi condenado a pagar C 10 mil euros de multa.
Na TV e nas rádios, o humor em campanha eleitoral deve seguir as regras do Conselho Superior de Audiovisual (CSA). Para as eleições do Parlamento Europeu de junho de 2009, o conselho baixou um documento que diz que candidatos podem se exprimir livremente nos meios de comunicação. Mas estão proibidos de ‘recorrer a todo meio de expressão que tenha como efeito zombar de outros candidatos ou de seus representantes’.
Também não podem ferir a ‘dignidade’ ou a ‘honra’.
Os meios de comunicação, em época de eleição, têm que seguir regras. TVs e rádios não podem, ao editar seu material, escolher trechos de declarações de candidatos que distorçam o sentido geral de suas mensagens.