Sobre a morte do JB impresso, Alberto Dines deu o recado no Observatório da Imprensa com o belo texto ‘Morte sem epitáfio‘; curto e certeiro, como quase sempre faz irretocavelmente. Ao iniciar com uma analogia ao poema de John Donne que inspirou Hemingway em Por Quem os Sinos Dobram, costura a metáfora na metáfora e diz quase tudo. Só faltou dizer que o JB será sepultado como indigente, sem velório, sem nome, sem uma sepultura adequada. Pelo menos o acervo de encalhe do último formato, ou do último dono, poderia ser cremado, com as cinzas jogadas ao vento na Baía da Guanabara…
Uma contribuição útil do texto de Dines é o seu final, que não tem nada de simbólico, como ele avisa. É, na verdade, alarmante! E um golpe sórdido no jornal que publicou o pedaço mais importante da história do Brasil. O pedaço mais viril, mais romântico também, mais revolucionário, mais vencedor e mais sofrido ao mesmo tempo. O período mais rico da história do país, de 1891 a 2010.
Comunicar ao público o fim de uma era através de anúncio publicitário é mais do que simplesmente não valorizar o texto, como infere Dines. Contudo, é um erro ainda passível de reparo. Atenção senhores de gravata e paletó por trás da gestão financeira, patrimonial e pendências jurídicas do JB: a sua última impressão, logo após o grito final de ‘parem as rotativas’, será histórica e merece respeito. Se não pensarem que ela mereça, pelo menos pensem que pode ser lucrativa, saiam com um jornal volumoso; abram as páginas para todos os seus antigos colaboradores e colunistas ainda vivos. Pode ser uma grande tacada publicitária. Gastem todo o estoque de tinta, de papel e de fita para amarrar os fardos de jornais. Abram espaço para o público também. Inclusive, cobrem a publicação de comentários (sem monitoramento), como está fazendo o jornal americano Texas Tribune que, de tanto gastar energia para moderar interferências obscenas de leitores, passou a cobrar pelas mesmas.
A utopia é uma vontade morta
É tudo por dinheiro, afinal de contas… Está aí o exemplo do jornal The Times tentando cobrar pela sua versão online, reinventado a roda num universo onde se anda a jato hipersônico.
Assisti a uma palestra no auditório do JB, no início da década de 1980, na qual o professor Marcos Cobra ensinava que o ciclo de vida de uma empresa pode ser visto como o de uma mulher. Suas analogias eram cada vez mais reveladoras à medida que ele ia comparando até as (in)decisões de uma mulher na hora de trocar uma peça de roupa, culminando com o ponto em que uma empresa se torna uma senhora e já não pode mais fazer o que, mocinha, fez no passado. Poderá, entretanto, reinventar-se e disseminar experiência acumulada, gerar filhos e povoar um mundo. Não cabe em duas linhas a aula do professor Cobra, mas está claro que a senhora JB morre feito Macabéa, tristemente. E dizer que foi cortejada em sua longa vida por varões ilustres, de Rui Barbosa a Eça de Queirós, de Drummond de Andrade a Barbosa Lima Sobrinho, para citar apenas alguns pilares inatacáveis. Quem diria, nasceu nobre, apologista da monarquia, tornou-se de vanguarda lutadora pela República, mas acabou na miséria, e até traidora e mundana.
Voltando ao texto de Dines, outra contribuição sua importante merecia um desdobramento coletivo, da classe, do meio, do povo: ‘Ninguém vestiu luto – só os jornalistas – porque há muito aboliu-se o luto. O luto e a luta. Sobreviventes não lamentaram, dão-se bem no jornalismo morno, sem disputa. Juntaram-se para revogar a concorrência e enterraram a porção vital do seu ofício. Esqueceram a animada dissonância, preferiram a consonância melancólica.’ Há muito tempo que a utopia é uma vontade inexistente, morta.
Se renascer da cinzas…
No livro Adeus às Armas, Henry diz para si mesmo: ‘Fique um pouco neste mundo e acabará morto, sempre.’ Seu filho acabara de nascer morto e sua amada iria morrer, do parto, logo em seguida. Final trágico, e carregado de romantismo. Uma fatalidade vulgar da vida, encerramento de uma das melhores novelas produzidas por Ernest Hemingway, que faria 111 anos de vida nesta quarta-feira, 21 de julho.
Quanto aos jornalistas do Brasil, estariam fados à inanição ou sem qualquer vontade própria? Teriam dado irreversivelmente um coletivo adeus às armas?
Provável resposta, por Hemingway: ‘Aos que trazem coragem a este mundo, o mundo precisa quebrá-los, para conseguir eliminá-los, e é o que faz. O mundo os quebra, a todos; no entanto, muitos deles tornam-se mais fortes, justamente no ponto onde foram quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo os mata. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos – indiferentemente.’
Que pelo menos tudo fique escrito, e publicado. E não nos surpreendamos se o JB renascer da cinzas – que bela marca! – e voltar a ser impresso, em tinta eletrônica ou em uma tela, na fachada de um edifício na Av. Rio Branco.
******
Escritor e jornalista