Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A era dos tablets

Nos dias 12 e 13 de março, o primeiro fim de semana de vendas do iPad 2, a Apple entregou cerca de 1 milhão de unidades de seu novo tablet. Filas imensas se formaram na porta das lojas, e consumidores aflitos para colocar as mãos na segunda versão do iPad, como o brasileiro Breno Masi, que passou 14 horas sob chuva e frio de 4 graus, mas saiu da loja da Apple na Quinta Avenida, em Nova York, com dois, um branco e um preto, mostram que Steve Jobs pode não ter exagerado quando fala que estamos caminhando para a era pós-PC. Os estoques se esgotaram rapidamente e o resto da história você já conhece. Duas semanas depois, aconteceu o mesmo fenômeno de vendas na Europa. Por aqui, até o final de março, o lançamento oficial ainda era um mistério. Mesmo sem nenhum recurso revolucionário, apenas mais fino, leve e veloz, o que torna sua experiência de uso, que já era ótima, ainda melhor, a estreia do iPad 2 supera com folga a chegada de seu antecessor. A primeira versão do tablet da Apple chegou ao primeiro milhão em 28 dias e encerrou 2010 com 15 milhões vendidos. Mas até quando a Apple vai nadar de braçada nesse mercado? Como o iPad reagirá à companhia de novos e promissores concorrentes que começam a chegar?

Ainda no primeiro semestre, as lojas serão tomadas por uma legião de tablets cuja missão é abocanhar um naco importante do mercado. Segundo o instituto de pesquisas Gartner, o total de tablets comercializados neste ano deve alcançar 54,8 milhões e chegar a 103,4 milhões em 2012. Isso significa que netbooks e notebooks correm o risco de perder sua hegemonia no mercado de portáteis para uso pessoal? Ainda é difícil cravar que sim, desaparecerão, mas a experiência de uso de um tablet tem se mostrado infinitas vezes mais prazerosa e isso conta, e muito, na decisão de compra. Do ponto de vista estritamente racional, o sucesso dos tablets chega a ser intrigante. Eles são caros e, a rigor, não muito úteis para quem já possui um smartphone e um notebook para as tarefas mais pesadas. O iPad mais simples custa 499 dólares nos Estados Unidos e 1 649 reais no Brasil. No primeiro momento, a nova geração de tablets com a plataforma Android também não terá preços muito convidativos.

O que torna o iPad tão atraente é sua experiência de uso. Manipular um aparelho com uma tela grande, sensível ao toque, com ótima qualidade de imagem e respostas precisas aos comandos realizados em um sistema operacional simples e intuitivo é fascinante para pessoas de qualquer idade. A portabilidade também impressiona. Nem tanto pelo peso (605 gramas no iPad 2), mas principalmente pela autonomia de bateria, muito maior que a de qualquer notebook, permitindo o uso por cerca de dez horas.

Tudo isso fez com que o iPad se transformasse no objeto de desejo do momento para navegação na web, leitura de revistas digitais e para a diversão com vídeos e jogos em qualquer lugar. “A grande questão de toda nova tecnologia é o quanto ela será útil para o consumidor. O tablet já mostrou seu potencial”, diz Rodrigo Ayres, gerente de produto e inteligência de mercado da LG. O grande desafio da LG e de outros rivais da Apple é superar os atrativos do iPad como dispositivo para consumo de mídia. Não será uma missão fácil. Usuários foram questionados em uma pesquisa sobre as três principais funções que procuram em um tablet. A maioria disse navegar na web, assistir a vídeos e jogar. “Nenhum concorrente faz isso tão bem quanto o iPad”, afirma Dmitriy Molchanov, analista de dispositivos conectados do instituto Yankee Group.

A principal ameaça ao monopólio do iPad veste a camisa do Android, o sistema operacional do Google. São aparelhos como o Galaxy Tab 10.1, da Samsung; o Optimus Tab, da LG; e o Xoom, da Motorola. Suas armas são o hardware poderoso, em muitos pontos superior ao do iPad 2, e o tão aguardado Android 3.0 Honeycomb, a versão do sistema para smartphones que mais cresce, agora adaptada para rodar em tablets. Equipamentos com o sistema do Google devem pipocar às dezenas nos próximos meses e engrossar a invasão Android iniciada no final de 2010, quando foram vendidos 18 milhões de tablets mundo afora, segundo a consultoria IDC. Entre julho e setembro do ano passado, 93% dos tablets comercializados eram iPad. Com a chegada do primeiro Galaxy Tab, a participação do iPad caiu para 73%. E não há dúvida de que cairá ainda mais, como mostram os testes do INFOlab com o Galaxy Tab 10.1 e o Optimus Tab.

Passamos um mês com os dois portáteis, ainda protótipos, mas eles não decepcionaram. O Xoom, da Motorola, também aterrissou no INFOlab, mas por poucas horas, porque era uma versão ainda não totalmente calibrada para testes. Correndo por fora, a RIM coloca nas lojas dos Estados Unidos neste mês o PlayBook, um tablet com sistema operacional BlackBerry e que também será capaz de rodar aplicativos Android. No meio do ano é a vez de a HP começar a cavar espaço com o TouchPad, um tablet baseado em sistema próprio, o WebOS.

Tamanha empolgação também acende luzes amarelas. O J.P. Morgan aponta indícios de uma bolha em formação. Analistas do banco dizem que os fabricantes planejam inundar as lojas com 81 milhões de tablets neste ano, dos quais serão vendidos no máximo 47,9 milhões. Desse total, 61% levariam a maçã da Apple, o que significa que todos os outros fabricantes venderiam perto de 18 milhões de unidades, gerando um grande excedente. Isso apenas para as novas versões. Segundo a Global Equities Research, 60% dos compradores do iPad 2 já tinham o modelo da Apple. Com isso, não foi surpresa que, na semana seguinte ao lançamento do iPad 2, mais de 22 mil unidades da primeira versão fossem colocadas à venda no site de leilões eBay.

No mercado brasileiro, onde foram comercializados 100 mil tablets em 2010, considerando as vendas oficiais, as feitas por importadores independentes e aqueles que vieram do exterior na mochila dos usuários, a disputa deve esquentar no segundo semestre. É quando os fabricantes locais prometem colocar suas pranchetas eletrônicas nas prateleiras e quando devem desembarcar por aqui os lançamentos internacionais com Android.

300 mil unidades no Brasil

Apesar disso, a segunda versão do iPad, que ainda não tem data oficial de chegada ao país, deve continuar soberana.

Estimativa da IDC aponta que as vendas de tablets por aqui ultrapassem 300 mil unidades neste ano. “Cerca de 80% devem ser de iPad”, diz Luciano Crippa, coordenador de pesquisas. Nesse meio tempo, a Apple segue trabalhando para popularizar o seu tablet além dos círculos dos descolados e entusiastas de tecnologia. Desde março, quem circula entre as gôndolas dos supermercados Extra e Walmart pode estacionar o carrinho no setor de eletrônicos, experimentar e comprar um iPad.

Fabricantes como Positivo, Itautec e Semp Toshiba confirmam que terão suas versões, mas não dão detalhes como tamanho de tela, configuração ou sistema operacional. “A escolha do sistema não é uma questão tão simples e nem o tablet é só hardware. O sucesso da Apple com o iPad está no ecossistema”, afirma Hélio Rotenberg, presidente da Positivo, destacando a integração do tablet da Apple com as lojas de aplicativos, de vídeo e de música da marca. A intenção da Positivo é lançar seu produto com serviços, para recheá-lo de conteúdo.

A Itautec destaca a importância de uma rede de suporte técnico como diferencial para a marca. “Assim como ocorreu com os PCs, uma hora a variação de recursos nos tablets será menor. O que pode diferenciar é a estrutura de suporte”, diz José Roberto Ferraz de Campos, vice-presidente da unidade de computação da Itautec. Já a Semp Toshiba, que fornecerá para a Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, 6 mil tablets com tela de 10 polegadas e Android, para serem usados como suporte ao material didático, prefere não falar sobre seus planos no varejo.

Preços? Ninguém arrisca. O que todos os fabricantes esperam é que, até o segundo semestre, seja resolvida a questão de um regime tributário específico para o segmento. “Ainda é prematuro falar em faixa de preço sem uma definição da questão tributária. Vai ser muito difícil termos em 2011 tablets de qualidade por menos de mil reais”, diz Campos, da Itautec.

A situação dos dois principais tablets vendidos oficialmente no país ilustra bem o problema. Como o Galaxy Tab de 7 polegadas, produzido em Manaus, funciona como telefone, a Samsung o enquadrou como smartphone. O iPad, por sua vez, é importado pela Apple como computador. A intenção dos fabricantes é que eles sejam classificados como PCs e possam aproveitar os mesmos mecanismos de incentivos fiscais concedidos a notebooks e desktops.

O iPad 2 tem tudo para continuar absoluto entre os tablets, pois segue como a melhor opção em quase todos os itens de compra relevantes, como design, integração entre hardware e sistema operacional, variedade de aplicativos à disposição e preço. Dos concorrentes diretos, o Galaxy Tab 10.1, da Samsung, que teve o design alterado para ficar mais fino, tem chances um pouco melhores por ser mais barato. Sem o fator custo como atração, quem abrir mão da plataforma Apple para escolher um modelo com Android poderá fazê-lo pela comodidade, pois já deve possuir um smartphone com o sistema do Google. Desde o final do ano, ele lidera entre os sistemas operacionais de telefones inteligentes.

“A tendência é que tablet e smartphones andem juntos”, diz Roberto Guenzburguer, diretor de segmentos da operadora Oi. “A pessoa que começa a usar uma plataforma no celular se acostuma a ela e não quer lidar com outras interfaces em outros dispositivos”, afirma. “A Apple tem uma vantagem porque saiu na frente, mas isso não garante nada. O Android é um concorrente muito forte. Tem o Google por trás, é um modelo aberto e tem muita gente criando aplicativos.”

A consultoria Forrester Research divulgou um documento com os pontos onde os rivais do iPad patinam. O fator preço e a priorização das operadoras de telefonia como canal de vendas preferenciais, em detrimento do varejo, já são conhecidos. Um dado apontado pelo estudo que surpreende é a falta de opções com Windows. O sistema da Microsoft é o mais desejado em um tablet por 3 800 pessoas ouvidas pela consultoria. Apesar disso, a empresa de Bill Gates não deve ter um novo Windows otimizado para tablets antes de 2012. Por fim, a Forrester aposta que a grande chacoalhada no mercado de tablets viria com um suposto dispositivo da Amazon. Existem rumores de que a gigante do varejo online, comandada por Jeff Bezos, poderia lançar um tablet barato com Android e lucrar na venda de conteúdo para ele, como fez com o Kindle, seu leitor digital lançado em 2007 e que foi eclipsado pelo iPad. Pura especulação. Mas é fato que a Amazon possui uma plataforma azeitada de distribuição digital de livros, filmes e música e, recentemente, inaugurou a Amazon Appstore para Android, com quase 4 mil aplicativos e games. Se entrasse no mercado de tablets, não seria para brigar com coadjuvantes, como a RIM ou a HP, donas de sistemas operacionais fechados.

Chegou mesmo a era pós-PC?

O surgimento dos tablets, classificados por Steve Jobs, presidente da Apple, como produtos de uma era pós-PC, em conjunto com a popularização dos smartphones, está mudando nosso comportamento em relação ao consumo de conteúdo. A portabilidade, somada à autonomia de bateria e à incrível experiência de uso podem colocar em xeque o futuro dos outros computadores pessoais portáteis.

Segundo estudo da RBC Capital Markets, em 2014 tablets e smartphones representarão 64% de todos os computadores vendidos no mundo. Para os analistas da consultoria DisplaySearch, para cada três laptops vendidos em 2017, dois tablets serão comercializados. Mas, apesar dos números, não há uma relação direta entre as vendas crescentes e a substituição dos notebooks ou dos desktops por tablets.

O tablet é, em essência, um dispositivo para consumo de conteúdo, enquanto o PC tornou-se uma importante ferramenta de produtividade, especialmente em tarefas onde o poder de processamento é vital, como para editar vídeos ou rodar games pesados. “Não é possível comparar o desempenho de um tablet com o de um PC. Para tablets, o que importa é a qualidade da experiência, a velocidade de abertura das páginas, a resolução das imagens e a taxa de exibição de quadros por segundo em jogos”, diz Richard Cameron, diretor-geral da Nvidia do Brasil, empresa que produz o processador de dois núcleos Tegra para smartphones e tablets e que prepara um modelo de quatro núcleos. Mesmo para atividades mais simples, como editar um texto no Word ou trabalhar em uma planilha de Excel, as pessoas continuarão preferindo recorrer ao teclado físico em um desktop ou notebook.

E os netbooks? Estes, sim, sofrem com mais intensidade o efeito tablet. “O netbook é geralmente comprado como um dispositivo secundário, menor e mais leve. Mas essa necessidade o tablet supre muito bem”, afirma Luciano Crippa, da IDC Brasil. A própria Asus, responsável pela popularização dos netbooks, com o pioneiro Eee PC, já acusou o baque. Admitiu que, em função dos tablets, deve vender entre 10% e 20% menos netbooks.

Diferenças e aplicativos

No Brasil, onde o netbook é muitas vezes adotado como computador principal na classe C, devido ao seu preço mais baixo, a situação acaba sendo um pouco diferente. “Aqui, os tablets ameaçam os netbooks nas classes A e B. Nas outras, dificilmente o brasileiro o comprará como primeiro computador”, diz Marcel Campos, gerente de marketing da Asus Brasil.

Apesar da iminente chegada de uma safra com dezenas de tablets, engana-se quem imagina encontrar uma grande diversidade de recursos entre esses aparelhos. Os melhores devem seguir o mesmo figurino: telas entre 8 e 10 polegadas, processador de dois núcleos, duas câmeras e saída de vídeo no padrão HDMI. As diferenças marcantes estarão mesmo nos sistemas operacionais e na variedade de aplicativos oferecidos aos usuários. Nesse ponto, novamente o iPad está na frente. A App Store oferece mais de 65 mil aplicativos específicos. Atualmente, a oferta de programas desenvolvidos para tablet no Android Market não passa de uma centena. Mas esse número deve explodir nos próximos meses. A RIM e a HP estão começando praticamente do zero, e é difícil estimar o volume da oferta de aplicativos para tablets a serem produzidos para suas plataformas.

Assistente familiar

No hardware, um diferencial que deve se tornar importante é a conexão com as redes celulares 4G para a navegação na internet em altíssima velocidade. “A Motorola já tem um tablet com tecnologia 4G no padrão LTE (Long Term Evolution). Mas ela começou a vender o Xoom sem o recurso e vai permitir que os usuários façam o upgrade para 4G de graça nos Estados Unidos”, diz Dmitriy Molchanov, analista de dispositivos conectados do Yankee Group.

Outro ponto que deve ganhar importância é a integração do tablet com outros dispositivos usados na casa. “O usuário poderá controlar a luz, todo o seu conteúdo de mídia e agendar a gravação de programas de TV a cabo. A casa poderá ser gerenciada pelo tablet, da luz às compras da geladeira. Ele será um grande assistente familiar”, diz Roberto Guenzburguer, diretor da Oi.

Como já deu para perceber, o que não faltará é opção para você escolher um tablet com a sua cara.