Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

E o lugar do público?

Nas conclusões do polêmico livro O Golem, os autores H. Collins e T. Pinch quando discutem a relação entre a ciência e o cidadão, afirmam que o debate sobre a compreensão pública da ciência tem sido dificultado, em grande medida, pelas confusões envolvendo método e conteúdo.

No entendimento dos autores, o que deveria ser explicado ao público leigo de uma forma geral são os métodos, os processos de produção dos fatos científicos; mas o que boa parte dos envolvidos com as questões de popularização enfatiza, por exemplo, é o que se chama de verdade sobre o mundo natural.

Na realidade, conforme os autores, há uma intencionalidade clara na condução desse debate: acredita-se, equivocadamente, que quanto mais o público souber ciência (e não sobre ciência), mais ele estará apto a votar e a tomar decisões importantes, como o destino dos transgênicos, por exemplo.

Não se discute, em tese, que os conteúdos da ciência não deva chegar ao grande público, mas o que se questiona é a força de verdade que recai sobre eles, negando disputas, conflitos, tensões, desacordos, que se estendem por todo processo de produção.

É como se os tomadores de decisões, no campo da política, tivessem medo das reações que poderiam advir de um processo inverso de comunicação pública das ciências, ou seja, se o público, ao invés dos resultados em primeira instância, recebesse informações sobre o método.

O equívoco se espalha pela sociedade com apoio da academia, da política e, principalmente, dos meios de comunicação, responsáveis, em grande medida, pela construção da imagem de ciência verdade, que predomina em nosso meio.

Terra e vida

Como afirma o sociólogo francês B. Latour apesar do quadro rico, ambíguo, desconcertante e fascinante que a ciência em ação revela, poucos são os que entraram nas suas atividades internas e depois saíram para explicar, aos que continuam do lado de fora, como tudo aquilo funciona.

Boa parte dos discursos das ciências trata de conteúdos, fundamentos, às vezes de perigo, mas quase ninguém se arrisca a falar dos processos de construção, da mistura caótica que se revela nos bastidores: prefere-se os contornos organizados do método e da racionalidade científica.

Mesmo nos estudos sobre popularização, a percepção de público ainda está fortemente centrada na identificação de um ator externo, estranho ao universo da produção e comunicação dos fatos tecnocientíficos, com um papel cognitivo passivo, que, por sua vez, assegura a manutenção das fronteiras epistemológicas entre o científico e o não científico.

Os modelos tradicionais de divulgação científica, além de reforçarem os critérios de diferenciação entre ciência e divulgação, delimitando bem as fronteiras (ciência é pura, genuína, verdadeira; divulgação simplifica), não incluem o público, a não ser, como já pontuamos antes, como receptor passivo.

Na divisão do trabalho cognitivo tudo parece colaborar para, de um lado, assegurar, no topo da hierarquia, a ‘pura ciência’, longe de riscos de contaminação (tradução, simplificação) e bem segura de si em suas fronteiras, e, de outro, manter os divulgadores e, principalmente, o público bem cientes de seus papéis de não fazedores de ciência.

Estudar o lugar do público é trazer para os campos do Jornalismo, particularmente do Jornalismo Científico e das Ciências uma possibilidade dialógica: a divulgação científica também pode ser agendada pela comunidade, a partir de seu cotidiano.

A comunidade até pode não ter uma compreensão elaborada do funcionamento do planeta, das relações entre a história da terra e a da vida, mas sabe, por exemplo, que o uso dos recursos terrestres não vem sendo feito de forma sustentável. E isso compromete de diversas maneiras o seu dia-a-dia.

Jornalistas e cientistas precisam ouvir mais o público.

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Jornalista, diretor acadêmico da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), doutor em Geociências pela Unicamp, professor da Universidade de Taubaté