Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Direito ao humor

Os programas humorísticos do rádio e da TV estão manietados pela lei eleitoral. Uma resolução aprovada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no final de 2009 estabeleceu que, desde o último dia 1º de julho, as emissoras estariam proibidas, em sua programação normal, de ‘usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem, ridicularizem candidato, partido político ou coligação, bem como produzir ou veicular programa com esse efeito’.

O resultado prático mais visível dessa decisão infeliz foi o sumiço das referências a candidatos e à própria campanha em programas como Casseta & Planeta, da Rede Globo, Pânico na TV, da Rede TV, e CQC, da Bandeirantes.

Os efeitos indesejáveis da norma vão muito além da mudança compulsória do conteúdo de programas já incorporados à rotina de entretenimento da população brasileira. Não se trata de defender este ou aquele programa, mas princípios. Não é apenas o humor que está sendo mutilado pelo TSE, mas a liberdade de expressão.

São conhecidas as intenções dos legisladores. Como outras tantas disposições, essa visa a assegurar a lisura do processo eleitoral e garantir aos candidatos um tratamento isonômico. São, sem dúvida, ideais que devem ser observados. Mas que não podem ser obtidos à custa de um diploma legal que parece estar em desacordo com os preceitos da Constituição.

O direito sagrado de rir

Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gustavo Binenbojm disse em entrevista ao jornal O Globo que ‘a lei eleitoral brasileira incorre numa inconstitucionalidade, porque a norma atual é incompatível com o regime constitucional que assegura a liberdade de expressão’.

Binenbojm lembra que nos EUA o modelo da lei eleitoral é o mais liberal do mundo, enquanto na Europa existem algumas regras para resguardar a imagem dos candidatos. Mas nada se compara às restrições da legislação brasileira, na qual prevalece ‘uma cultura oficialista’, calcada na ideia de que ‘o Estado deve proteger o cidadão de si próprio’.

Talvez fosse o caso de acrescentar que a legislação eleitoral do país protege muito mais a imagem dos candidatos do que os direitos do eleitor. Impedir que uma figura como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tão presente na sucessão, ou que os principais candidatos à Presidência sejam parodiados ou abordados sob o prisma do humor é de um obscurantismo atroz. Na pretensão de conferir mais seriedade, infantiliza-se brutalmente o processo eleitoral. Iniciativas desse tipo, de tutela à sociedade, não contribuem para o amadurecimento da democracia.

Esta Folha já se manifestou, em mais de uma oportunidade, contra as tentativas de se impor um excesso de controle judicial sobre os mecanismos de disputa política. A atual legislação consegue ser ao mesmo tempo draconiana e ineficaz. São vários e flagrantes os sinais de que as normas em vigor precisam ser revistas. Se fosse preciso escolher um começo para o debate, poderia ser esse: a população tem o direito sagrado de rir de maneira desimpedida dos seus homens públicos.