Tem causado polêmica o livro Por uma vida melhor de Heloísa Ramos, Ed. Global, em que supostamente o MEC estaria ajudando a destruir a língua portuguesa e prejudicando a alfabetização das crianças. É a campanha política de sempre, procurando más intenções nas menores coisas feitas pelo Governo. Acho um absurdo manchetes ou chamadas tipo “Livro usado pelo MEC ensina aluno a falar errado”. Não é isso, absolutamente. O livro, pelo que vi, faz o que eu faço nestas minhas colunas: defender a fala informal, coloquial, como uma maneira paralela de usar a língua, que pode muito bem conviver com a Norma Culta. Mas eu acho que todos lucraríamos se o enfoque político, mero pretexto para “meter o pau no Governo”, fosse substituído por um enfoque voltado para a língua portuguesa, que é o que está em questão. Eu critico todo Governo, mas neste caso os dois lados merecem críticas.
Diz a autora do livro: “O importante é chamar a atenção para o fato de que a ideia de correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa”. Concordo com isto, menos num detalhe, a expressão “substituída”. Não podemos perder a idéia de correto e incorreto, porque existem coisas que são flagrantemente incorretas. E não se pode dar a ninguém a impressão de que a Norma Culta da língua (que também defendo, consistentemente, nesta coluna) não serve para nada, e pode ser substituída pela norma coloquial, ao gosto do falante. (O livro não defende isto, claro. Mas os termos que usa abrem espaço para que alguém o acuse disto.)
Consciência coletiva
Cada um fala do jeito que lhe apraz. Eu digo o tempo todo coisas como: “As pessoa pensa que a Gramática é um bicho de sete cabeça”. É assim que eu pronuncio as palavras quando estou falando, resíduo plebeu de quem foi criado em rua sem calçamento. Mas se eu for escrevê-las vou escrever como Camões escreveria, resíduo elitista de quem foi criado em casa com biblioteca. A não ser que eu esteja escrevendo, num romance ou numa peça, um diálogo de um personagem que fala assim. Então, tenho que escrever assim.
O livro tem a boa intenção de diminuir o enorme sentimento de culpa, de inadequação, de complexo de inferioridade, em milhões de alunos pobres que são escarnecidos diante da turma por terem escrito ou pronunciado uma palavra da única maneira que aprenderam, e que não é a da Norma Culta. O “preconceito linguístico” existe, e existe forte. Nosso dever é legitimar as falas coloquiais, regionais, etc., sem dar a impressão de que se está dispensando o ensino, o estudo e a prática da Norma Culta. A Norma Culta é a âncora da língua, que a mantém firme no centro de uma consciência coletiva e compartilhada. A Norma Culta evita que ela se estilhace em milhares de falares regionais ou, pior ainda, em milhões de indivíduos falando uma língua pessoal que só eles entendem.
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Escritor