Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O supérfluo discutido em profundidade

Se os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus, estamos vivendo, nos dias de hoje, uma situação interessante. Em Marte os habitantes procuram desesperadamente uma forma de sair da lama; em Vênus, as felizes moradoras só conhecem lama porque é um bom produto para a pele.

É só dar uma geral nos jornais, dedicados aos moradores de Marte, e nas revistas, voltadas para as habitantes de Vênus, para verificar a diferença.

As manchetes de domingo (2/10) nos jornais foram:

O Estado de S.Paulo: ‘ CPI perde fôlego, deixa de investigar e atola em intrigas’ Folha de S.Paulo: ‘ Direção do PT sabia do caixa 2, diz ex-secretário’ O Globo: ‘Favelização; Cesar vê omissão de vereadores’

Nas revistas femininas do mês, estes eram os destaques:

Claudia: ‘Débora Bloch: feliz em todos os sentidos’ Nova: ‘Angélica no auge’ Marie Claire: ‘Daniela Escobar: a atriz conquista o público com sua irreverência’

Claro que na mídia que fala para cada um desses segmentos, os habitantes do outro planeta são mencionados. Afinal, embora de planetas diferentes, homens e mulheres convivem no mesmo mundo. Assim, por exemplo, mulheres que se destacam acabam ganhando página inteira, como a feminista que defende a descriminalização do aborto ou a soldado americana que torturou – e fez questão de posar para a foto – prisioneiros iraquianos. São mulheres que, pela inteligência ou pela maldade, se ‘equiparam’ aos homens e por isso ganham espaço.

Comodismo geral

Já nas revistas femininas, os homens – que estão presentes nas entrelinhas de todas as matérias que falam de relacionamento e fórmulas mágicas de conquista – ganham páginas quando são muito bonitos ou são o galã do momento.

A verdade é que a própria mídia prova que não há diferenças entre homens e mulheres, o que faz diferença são os interesses de mercado.

Um dia, lá nos primórdios da imprensa, ficou convencionado que os anunciantes de produtos masculinos querem aparecer em publicações que tratam de assuntos sérios. E os jornais elegeram política, economia e esportes como assuntos masculinos. Mas era preciso criar veículos para que a indústria de beleza, moda e decoração tivesse onde anunciar: surgiram as revistas femininas.

O que impressiona é o comodismo geral da mídia que, apesar de toda a revolução de costumes, continua agindo como se homens e mulheres fossem realmente de planetas diferentes. E o erro maior, na hora da pauta, parece ser mesmo das revistas femininas, que insistem em discutir o supérfluo em profundidade, passando o retrato da sua leitora como uma mulher preocupada exclusivamente com o corte da roupa e as cores da maquilagem na próxima estação. Sem esquecer, naturalmente, que a mulher se relaciona – principalmente com homens – e tem problemas de ciúme, orgasmo, filhos, trabalho, cozinha e manutenção da casa. Política, economia? Isso é coisa de homem. A não ser em raros casos, como o da senadora Heloísa Helena, que já mereceu um perfil na revista Uma: ‘Heloísa Helena não está à venda: o furacão do Planalto fala de sua vida e carreira’.

Até um alívio

De onde terá a mídia tirado essa idéia de que os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus? A resposta pode ser encontrada na entrevista (O Estado de S. Paulo, 2/9) da pesquisadora Jane Shibleu Hyde que, segundo o jornal, ‘estraçalha teses de best-sellers e prova que homens e mulheres são semelhantes em grande parte’. Como diz Jane Hyde:

‘Os seres humanos têm a tendência de querer categorizar a outra pessoa – machos e fêmeas, brancos e negros, hetero e homossexuais. Essa é uma tendência muito poderosa que existe há séculos. Uma vez criadas as categorias, a gente também tem a tendência a pensar que uma categoria é melhor do que a outra – homens são melhores do que as mulheres, brancos melhores do que os negros e assim por diante. Portanto, pode-se dizer que parte da questão se explica por essa mania de classificar os outros.’

Tendência que, segundo ela, acaba fazendo com que homens e mulheres acreditem na diferença: ‘Homens e mulheres aprendem que eles são tão distintos, que vieram mesmo de planetas distintos.’

A esperança é que, como é a própria mídia que discute o assunto, abrindo uma página inteira para mostrar que não há diferenças, como tem sido exaustivamente divulgado até hoje (basta ver o destaque que ganhou o cientista que jura ter provado que os homens são mais inteligentes do que as mulheres), comece a tratar seus leitores como se eles não fossem produto de planetas distintos. Se bem que, nesse momento, é até um alívio abrir uma revista feminina e descobrir que, mais importante do que a total descrença nos políticos, é tratar de dar um jeito no cabelo ou saber que já existe uma nova fórmula mágica para acabar com as rugas.

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Jornalista