Em 26/07/2010, a entrevistada de um programa importante declara que existe na mídia atual uma glamorização dos psicopatas. O Roda Viva, veiculado pela Rede Cultura, certamente é o programa de entrevistas mais sólido do país. Ao longo de décadas, intelectuais, políticos e artistas de relevância nacional e internacional foram entrevistados. Nesta data, a convidada foi Ana Beatriz Barbosa Silva. Médica, psiquiatra e escritora. Conforme divulgação do programa, no blog da revista Partes, os convidados entrevistadores foram: Renato Lombardi, comentarista da TV Record; Ivan Martins, editor-executivo da revista Época; Cláudia Collucci, repórter de saúde do jornal Folha de S.Paulo e mestre em história da ciência pela PUC de São Paulo, e Suzane G. Frutuoso, chefe de reportagem do jornal Diário de S. Paulo. A apresentação é por conta de Heródoto Barbeiro.
Segundo bloco do programa, a entrevistada afirma que a mídia precisa recuperar seu papel social da época da ditadura, de denúncia. A assertiva de imediato mexe com o apresentador: ‘A mídia não tem compromisso social?’ A médica responde que existe uma glamorização dos psicopatas. Cita o caso de uma revista semanal cujas capas privilegiam tais elementos generosamente ao longo das últimas décadas. Depois de outra pergunta, Barbeiro retorna à temática: ‘(…) Mas e os programas que veiculam conteúdos educativos não acabam compensando essa dimensão da mídia?’ Ao que parece o posicionamento da médica incomodou bastante o apresentador.
Certamente deve ser muito difícil para um jornalista como Heródoto Barbeiro ouvir de uma profissional de outra área uma cobrança de responsabilidade social para com a mídia. Mas sua reação à opinião da entrevistada não se justifica. Programas de cunho formativo e educativo não podem servir para justificar, por exemplo, o ramo sensacionalista da imprensa como uma espécie de contrapartida compensatória. A nosso ver, isso soa como cinismo intelectual. Programas de utilidade pública se justificam por si, e não para eximir o enfoque equivocado de algumas coberturas ou programas sensacionalistas. No entanto, a afirmação de que a mídia glamoriza psicopatas não foi a única crítica feita pela entrevistada.
Representações da realidade
A médica também afirma que, mesmo depois da efervescência do momento da cobertura dos crimes, a imprensa deve noticiar os desdobramentos dos casos. Informar sem glamorizar talvez seja o meio termo ideal. A questão é como a mídia vai realizar uma cobertura dos eventuais crimes cometidos por psicopatas – numa sociedade altamente receptiva a celebridades – e conciliar a cobertura com as novas demandas que certamente não vão parar de surgir. Assim, durante a cobertura de um crime dessa natureza, o criminoso psicopata se torna então o fetiche do momento. Uma fonte mórbida de prazer. Um prazer movido talvez pelo mesmo sentimento das pessoas que se aglomeram no entorno de uma cena de acidente e que vai ser realimentado por outro acontecimento. Se nos dias atuais prevalece o gosto pela violência e pelo mórbido, a mídia jornalística está diante de um dilema que exige um posicionamento.
Um dos entrevistadores, salvo engano Ivan Martins, menciona os filmes do cineasta Quentin Tarantino. A exemplo de Pulp Fiction e Cães de Aluguel, que celebrizaram o diretor na década de 1990, seus personagens podem ser facilmente denominados como psicopatas. Seria bom se tivessem feito sucesso por elementos como a narrativa circular com que o diretor estrutura suas tramas. Mas a violência praticada por pessoas que não sabem o que é sentir dor não está apenas no âmbito do cinema. Na opinião da médica, a glamorização de psicopatas é um traço de nossa sociedade que também pode ser visto em representações da realidade. Nesse raciocínio, a mídia ou o cinema mostram o que a sociedade quer. Mas é importante também levar em conta o efeito destas representações na vida das pessoas. Estudiosos afirmam que a representação também constrói a realidade na medida em que a reproduz.
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Professor de História, Ponta Grossa, PR