Uma das discussões mais interessantes deste ano entre gestores da imprensa envolve a adoção do formato tablóide por grandes empresas européias, como forma de oferecer, principalmente aos leitores jovens, versões mais leves de jornais tradicionais, cujas vendas vêm caindo de forma preocupante nos últimos cinco anos.
Um dos pontos da discussão é a vinculação do formato a um tipo de jornalismo que por aqui se costuma chamar de ‘marrom’, mais caracterizado pela irresponsável preferência por manchetes escandalosas do que por algum rigor no trato da notícia. ‘Tabloid’ era até bem pouco tempo símbolo de mau jornalismo, principalmente por causa da imprensa escandalosa da Inglaterra, que adota esse formato.
Uma profusão de tablóides – muitos deles distribuídos gratuitamente em universidades e estações de trens e outros meios de transporte público – surgiu recentemente em grandes cidades européias, em especial na Alemanha. Algumas cidades americanas, principalmente na Califórnia, estão assistindo o surgimento de títulos claramente dirigidos a jovens opositores do governo Bush, quase todos no formato reduzido. Alguns desses jornais nasceram de noticiosos online produzidos por estudantes.
Edição facilitada
No caso dos tablóides europeus, como o Die Welt Kompakt, versão menor do tradicional Die Welt, trata-se de uma estratégia com o objetivo de atrair jovens leitores, que vinham trocando os jornais de circulação nacional por periódicos gratuitos ou, simplesmente, restringindo a leitura aos sites noticiosos da internet.
Vendidos a 50 centavos de euro – metade do preço médio dos grandes diários – os novos tablóides estão atraindo jovens que nunca haviam desenvolvido o hábito da leitura de jornais. Como são confeccionados com praticamente o mesmo time de jornalistas que já faziam os títulos tradicionais, esses jornais compactos acabam produzindo mais resultados com menor custo.
A questão que preocupa alguns gestores é que a receita – seleção reducionista do amplo noticiário que uma redação precisa elaborar em sua rotina – pode ser reproduzida por pequenos grupos de jornalistas, ou até mesmo por estudantes, que em determinado momento podem dar origem a jornais de curta duração, voltados para faixas de leitores de interesse específico, e aumentar a concorrência dos jornais estabelecidos com grandes estruturas.
Esse fenômeno já aconteceu em 1998, durante a Copa do Mundo de Futebol, na França, quando algumas dezenas de títulos entraram em circulação, reproduzidos de sites na internet. Na ocasião, foram recebidos como mera curiosidade, e não chegaram a afetar a circulação dos jornais tradicionais e dos diários esportivos. No entanto, com a facilidade crescente para edição de notícias na internet e transferência desses conteúdos para as páginas impressas, a moda dos tablóides pode vazar das grandes empresas e dar origem a cadernos muito baratos ou até gratuitos, com informações extremamente segmentadas e qualidade satisfatória.
Caminho inverso
Para alguns executivos de jornais brasileiros, esse fenômeno ainda estaria longe de constituir uma preocupação a mais no atual cenário de dificuldades para o setor. No entanto, há quem entenda que é preciso criar instrumentos mais eficazes para a fiscalização das regras sobre propriedades dos meios de comunicação.
Por outro lado, também há quem celebre a possibilidade de estarmos assistindo ao nascimento de uma nova forma de jornalismo, mais circunstancial, sem vínculo com empresas, e mais democrática.
Uma vez que a tecnologia da informação permite criar quase instantaneamente marcas e identidades e torná-las familiares a um grande número de pessoas em prazo muito curto, não é difícil imaginar um núcleo de criação de conteúdos capaz de lançar títulos ‘oportunísticos’ com qualidade suficiente para alcançar alguma relevância no já minguado mercado de leitores.
Num caminho inverso ao que vimos acontecer há dez anos, na origem da internet, podemos estar perto de ver o conteúdo online dando origem a jornais de papel. Com a quantidade de jornalistas experientes fora das grandes redações, talvez seja apenas questão de tempo – e de ousadia de algum investidor mais esperto – para termos alguma novidade nas ruas.
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Jornalista