Para as comunicações, o maior problema futuro talvez seja a adequação da lei e da regulação, pois legisladores e reguladores parecem não compreender corretamente nem no tempo certo as profundas mudanças ocorridas na tecnologia nos últimos anos, em especial aquelas decorrentes da expansão da internet em escala planetária.
Poucos especialistas conhecem tão bem esse desafio quanto Ben Verwayeen, ex-presidente da British Telecom e atual presidente executivo ou CEO (Chief Executive Officer) da Alcatel-Lucent. Por sua experiência na indústria e numa das maiores operadoras europeias, tem uma visão ao mesmo tempo clara e didática do problema. Eis a seguir alguns dos pontos mais significativos da entrevista que esse executivo concedeu ao Estado em sua recente visita Brasil.
Para Verwayeen, o primeiro grande aspecto desse desafio é a diversidade de infraestruturas nas áreas de telefonia (redes fixas), comunicação sem fio (redes móveis) e internet, com seu protocolo dominante (IP). Embora se apoiem em infraestruturas diferentes e tenham conteúdos diferentes, essas três formas de telecomunicações se convergem cada vez mais.
Novo cenário
Vejamos o que ocorre em cada área. Na radiodifusão tradicional ou nos serviços de TV por assinatura, o destinatário está em casa ou no carro, como simples receptor da comunicação de voz, vídeo, áudio ou música. Na telefonia fixa, o usuário está em casa ou no escritório, e se comunica basicamente por meio de voz e dados.
Com as comunicações móveis, o usuário está em movimento e passa a utilizar a internet, com seus laptops, netbooks, iPods, smartphones, iPads ou tablets. Eis aí a grande revolução: o usuário móvel pode receber praticamente quaisquer conteúdos – sejam de voz, dados, imagens e até conteúdos de jornais, revistas, rádio e TV.
Na visão de Ben Verwayeen, a grande revolução veio com a internet. Sua infraestrutura é diferente. Seu conteúdo é diferente, porque é o mais variado possível. E o protocolo IP integra tudo: livro, jornal, revista, rádio e televisão.
Por isso, prevê, a TV do futuro será a IPTV. Hoje, já temos a TV conectada, com acesso crescente à internet. Esse processo é irreversível, não tem volta, só se intensifica. É claro que os radiodifusores resistem, protestam e se opõem às mudanças de regras que os órgãos reguladores são obrigados a fazer.
Essa resistência existe, também, nos jornais mais conservadores. "É claro que, para essas mídias tradicionais, o novo desafio é o modelo de negócios. A maioria dos veículos busca resposta a esta pergunta: como viabilizar a publicidade na internet?"
Ben Verwayeen preocupa-se, de forma especial com o papel das agências reguladoras e dos legisladores: "O regulador precisa ver o lado do usuário. E é bom destacar um aspecto fundamental: os que mais precisam de atenção não são os mais velhos, cujos hábitos terão que ser adaptados aos novos tempos, mas os adolescentes e os adultos mais jovens, que já nasceram nesse novo ambiente digital. É para eles que o regulador precisa preparar os serviços e toda a evolução, pois são os jovens que irão viver nesse novo mundo das comunicações móveis, em banda larga, com interatividade crescente".
Cocriação
O presidente da Alcatel-Lucent fala com entusiasmo sobre o futuro da comunicação móvel, com os avanços recentes na área das estações radiobase, hoje em processo de mudança tecnológica acelerada, em particular com a miniaturização extrema dos equipamentos. O melhor exemplo é o LightRadio, pequeno cubo de apenas alguns centímetros que poderá substituir as enormes estações radiobase (ERBs), com enorme redução de custos de investimento e de consumo de energia.
Em quanto tempo deverá ocorrer a migração das ERBs tradicionais para essa tecnologia? Ben Verwayeen é realista: "Não esperamos que o mundo vá migrar de repente ou em alguns meses para a nova tecnologia. É mais lógico esperar uma longa transição, com um trabalho conjunto entre fabricantes e operadores, no processo que podemos chamar de cocriação".
Eis aí uma palavra que seduz os especialistas que olham para o futuro: cocriação. Para Ben Verwayeen, ela é a que melhor representa o momento que vivemos nas tecnologias da informação e da comunicação. "A cada dia que passa, temos que trabalhar mais próximos do cliente, do usuário ou do consumidor. É com eles que devemos dialogar e pensar juntos, para cocriar. É o que estamos fazendo, em diversos lugares, a começar da China, analisando os resultados e ouvindo sugestões das operadoras, nossas clientes".
No final desta década, por volta de 2020, há expectativa de uma demanda gigantesca de banda de frequências, quando o mundo deverá estar utilizando cerca de 50 ou 60 bilhões de dispositivos de comunicação móvel. Para Ben Verwayeen, esse é mais um entre os grandes desafios que o mundo terá de enfrentar. Esses bilhões de dispositivos móveis atuarão tanto na comunicação homem-homem, como homem-máquina e máquina-máquina. A maior importância dessas novas formas de comunicação serão aquelas ligadas diretamente ao ser humano, como no uso de sensores, que poderão enviar um comando da estrada para o veículo e evitar um erro humano e um desastre de sérias consequências.
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Jornalista, colunista do Estado de S.Paulo