Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O código do lixo

Depois de 21 anos tramitando no Congresso Nacional, finalmente foi aprovada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), no dia 2 de agosto. Seus 57 artigos regulam a reciclagem, o destino dos lixos doméstico e industrial, bem como instituem a responsabilidade compartilhada para o problema do lixo: cidadãos, empresas e governo – federal, estadual e municipal – são responsáveis desde a geração até o descarte dos resíduos.

No Rio Grande do Sul, os dois jornais de maior circulação, Zero Hora e Correio do Povo, divulgaram notícias sobre a Lei no dia seguinte ao de sua publicação, 03/08/2010. O texto inicial das matérias é muito parecido, ressaltando as novidades da legislação, como a ‘logística reversa’, o incentivo à reciclagem e o envolvimento dos cidadãos na separação do lixo. Porém, a Zero Hora é bem mais sucinta, enquanto, surpreendentemente, o Correio do Povo dedica meia página ao assunto, discutindo a situação do lixo no Brasil e no Rio Grande do Sul.

O Correio, jornal enxuto, muitas vezes chamado pejorativamente de tabloide, produziu uma matéria rica e interessante sobre a aprovação da Lei, ressaltando a importância de seu conteúdo em termos econômicos e ambientais. A reportagem destacou que apenas 13% do lixo produzido nas cidades brasileiras é reaproveitável pela falta de planos que incentivem a reciclagem, cenário que deve ser alterado com o cumprimento da nova lei.

Consumir menos e melhor

Segundo a matéria do Correio do Povo, somente o Rio Grande do Sul produz dez mil toneladas de lixo por dia e os custos do processo de coleta e deposição final são altos. Se a população colaborar acondicionando os resíduos de maneira correta, visando à reciclagem, o estado poderá destinar mais verbas para outras áreas de interesse dos moradores das cidades, como saúde e educação.

A reportagem do Correio menciona a importância econômica do lixo que, além da questão ambiental, é uma fonte de renda para muitas pessoas. Os processos de coleta seletiva e reciclagem são instrumentos eficazes para a promoção da justiça ambiental: promovem a limpeza urbana, evitam a poluição do ar, das águas e do solo e ainda garantem o sustento de milhares de famílias.

Uma das novidades e boas contribuições da lei é a ‘logística reversa’. Tanto os fabricantes, como importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, produtos eletrônicos e seus componentes, ficam obrigados a implantar sistemas logísticos para recolher as embalagens utilizadas, bem como restos de tais produtos, extremamente danosos ao homem e à natureza, pois, além de poluentes, levam muito tempo para se degradar.

Outro aspecto tratado pela reportagem do Correio é que a legislação poderá mudar o padrão de consumo, diminuindo a produção de resíduos e formalizando o trabalho dos catadores. Um dos objetivos da lei é o ‘estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviço’. O princípio norteador do Código vem da educação ambiental: é necessário consumir menos e melhor; esse é o grande desafio nos dias de hoje.

Há cidadania no lixo

Ao contrário de serem incentivados a ter padrões sustentáveis de produção e consumo, os indivíduos são bombardeados a todo instante – com a contribuição da própria mídia – pela criação de novas necessidades, novos produtos e novos serviços. Em 2009, por exemplo, até o governo pedia que as pessoas não deixassem de comprar por causa da crise econômica.

Hoje, cidadão é o consumidor, é quem tem poder de compra. O direito de consumir tornou-se a principal reivindicação das massas. Uma voz dissonante dificilmente será ouvida em meio aos apelos sedutores da propaganda. A nova lei nos permite refletir que o lixo é um assunto importantíssimo e que estamos numa encruzilhada: sem mudança de hábitos de consumo, a quantidade de lixo vai aumentar.

No entanto, aquele resto que não queremos mais é essencial à vida de muitas pessoas. Através do lixo, ocorre também distribuição de renda a grupos marginalizados na sociedade. O Código representa um avanço, ao prever o fim dos lixões e a emancipação econômica dos catadores. É preciso que eles tenham condições justas de trabalho, que lhes possibilitem inclusão social. Pode ser que, se a lei realmente for cumprida, enfim, possamos entender que há cidadania no lixo.

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Historiadora e mestranda em História na UFRGS, Porto Alegre, RS