Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Direitos por água abaixo

E mais uma vez, uma dramática história dos direitos sociais no Brasil termina com final feliz para alguns, triste para outros: a tão sonhada licença-maternidade de seis meses teve a sua eficácia subordinada (ou até subornada) a condições medidas pela vontade do empregador. E a que se deve essa dicotomia sentimental? A resposta está na política… para variar.

É bem verdade, e todo mundo deve saber, que muitos discursos no período eleitoral foram sustentados tendo como base a ampliação da licença-maternidade de quatro para seis meses. Esses foram os felizardos, os políticos, que tanto alimentaram as esperanças de trabalhadoras a fim de alcançar suas deleitações nos mais altíssimos cargos da política, tais como o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, a chefia do poder executivo. E, de fato, muitos conseguiram sua eleição ou reeleição. Todavia, esperava-se, talvez não tão obviamente por se tratar da famigerada política brasileira, que tanto aqueles que discursaram em prol da ampliação desse direito, quanto aqueles que deveriam ser os destinatários do mesmo direito, pudessem ser beneficiados de forma recíproca. Ou seja, políticos eleitos e trabalhadoras satisfeitas, pois estas poderiam passar mais tempo em casa com seus recém-nascidos. Num país em que setores saúde encontram-se em caos, a ideia de ampliação dessa licença seria muito boa.

Todavia, a felicidade daqueles que depende da política brasileira dura muito pouco. Para completar a ópera, em clima de dia das mães, o Superior Tribunal de Justiça as presenteou com a “epidêmica ” decisão: A Lei Federal 11.770/08, que instituiu o chamado “Programa Empresa Cidadã” autorizando a prorrogação da licença-maternidade por 60 (sessenta) dias não possui natureza coagente, uma vez que sua implementação pela iniciativa privada dependerá de prévia manifestação de interesse dos empregadores. Da mesma forma, referido diploma legal limitou-se a autorizar a criação, pelos entes públicos, de um programa semelhante (Recurso Especial 2011/0039895-6).

Uma manchete que não foi exposta

Como sempre, a parte mais fraca, os trabalhadores, em especial as mulheres, foi a prejudicada. Se já não bastassem os representantes políticos alimentando as expectativas do povo, se aproveitando do seu clamor, surge a alta corte do poder judiciário com uma enferma decisão que, certamente, será disseminada para boa parte dos tribunais e referência para outras decisões semelhantes, tornando-se jurisprudência (nesse caso, está mais para “jurisimprudência”), já que se trata do influente STJ. A “epidemia” está por vir. É apenas o começo.

Em contrapartida, o direito de licença-maternidade por seis meses tem obtido um melhor funcionamento para um pequeno grupo de privilegiados do serviço público, em especial no âmbito federal. No que tange às empresas privadas, isso fica à critério do empregador, que poderá receber alguns benefícios fiscais caso se cadastre no chamado “Programa Empresa Cidadã”. Todavia, isso é uma estrita faculdade do patrão. Novamente, a classe mais sofrida, daqueles que sobrevivem com apenas um ou dois salários mínimos, é privada de um melhoramento em seus direitos sociais, enquanto uma outra classe continua com os seus privilégios estatutários, como a estabilidade, subsídios, licenças e afastamentos remunerados, planos de saúde etc.

Pode não parecer, mas o cenário é grave. Em meio a tantas manchetes sobre Bin Laden, união homoafetiva, Palocci, dentre outras também importantes, a manchete de que um direito social não foi atendido em sua plenitude, e que outra vez privilegia uma minoria já privilegiada, talvez não tenha sido devidamente exposta. Salvo a TV Justiça, que fez uma matéria elogiando, exaltando, louvando, essa ilusória conquista, a fim de privilegiar o canal que emite, tendenciosamente, notícias sobre funcionamento da justiça brasileira e, consequentemente, do “majestoso” poder judiciário.

Essa é uma causa que com certeza desperta muita saudade do velho Marx.